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Risco fiscal nos EUA, a economia ‘mais segura’, só cresce. E agora? | Investimento no Exterior


Desde que o ciclo de alta nos juros americanos começou, os títulos públicos do país têm sido alvo de busca por parte de investidores de todo o mundo. Afinal, os “treasuries”, como são chamados esses ativos, são considerados um dos investimentos mais seguros do mundo e, com juros maiores, passaram a render mais, o que aumentou sua atratividade. Recentemente, no entanto, debates sobre os riscos fiscais e a saúde das contas públicas americanas começaram a colocar isso em cheque. Não à toa, no começo de novembro, a agência de avaliação de crédito Moody’s alterou a perspectiva da nota dos Estados Unidos, de estável para negativa, o que ajudou a acender ainda mais esse alerta. Mas afinal, qual é o verdadeiro risco de se investir em títulos americanos?

Em resumo, o que tem acontecido nos EUA, é um aumento dos gastos públicos, que não tem sido acompanhado pelo aumento das receitas. Como resultado, projeções de diversas instituições financeiras apontam para um expressivo aumento da dívida pública americana ao longo dos próximos anos. Nas últimas décadas, o aumento do endividamento americano não representou uma grande preocupação para os investidores porque as taxas de juros se encontravam em tendência de queda, o que permitia ao governo financiar grandes déficits a um custo muito baixo. Agora que os juros subiram para o patamar entre 5,25% e 5,5%, o problema veio à tona.

Para se financiar, o governo tem emitido mais títulos públicos (os chamados “treasuries”, semelhantes aos títulos do Tesouro Direto no Brasil). E com os juros mais altos, esses ativos têm atraído cada vez mais atenção. O problema é que, com o aumento da dívida, surgem inseguranças sobre a sustentabilidade dessas emissões no longo prazo. Mas, segundo especialistas, ainda não há o que temer. Pelo menos por enquanto.

Problemas para o investidor? Só no longo prazo

William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue, explica que o principal ponto de atenção agora é que a relação entre a dívida e o PIB dos EUA (medida que mostra o tamanho do endividamento de uma nação em comparação com sua economia) tem ficado cada vez maior. Isso significa, portanto, que o crescimento do PIB, pelo menos nesse momento, não tem acompanhado o crescimento da dívida. Mas, caso isso aconteça, esse problema é minimizado. Ele afirma, porém, que se essa trajetória continuar da maneira como está atualmente, isso causará problemas, mas que serão no longo prazo.

“A relação entre dívida e PIB continua crescendo. Se o PIB dos EUA crescer, tudo bem. A dívida pode, inclusive, continuar crescendo nessa magnitude e essa relação se mantém inalterada. O problema da questão da situação americana acontecerá se vermos uma continuidade do cenário atual. Aí sim, teremos uma grande questão para daqui a 30 anos, lá em 2053”, diz.

Segundo o especialista, por enquanto, não há uma preocupação tão latente no curto prazo porque, caso falte dinheiro, os Estados Unidos podem imprimir mais dólar. Essa solução, contudo, não é a ideal porque pode causar mais inflação no país. Porém, seu resultado tende a ser menos danoso do que seria em outros países, uma vez que o dólar tem uma demanda internacional.

“Não falta demanda para os títulos norte-americanos hoje e, na falta de alternativas, entra na conta a ideia da hegemonia americana. Afinal, o dólar ainda representa 60% das reservas do mundo. Então, o risco de os EUA darem um calote será um problema para todo mundo“, afirma.

Danilo Igliori, economista-chefe da Nomad, afirma que a expectativa é de que o cenário para o futuro não seja muito pior do que o atual. Ele concorda, porém, que se nenhuma medida estrutural for feita para reduzir os gastos ou aumentar a arrecadação, a trajetória da dívida pode se tornar insustentável.

O especialista ainda destaca que no ano que vem os Estados Unidos passarão por uma eleição e, pelo menos até agora, nenhum dos dois partidos coloca em questão possíveis soluções. Pelo contrário. Enquanto os republicanos se baseiam na promessa de diminuir os impostos (e, portanto, reduzir a arrecadação) os democratas seguem no propósito de manter programas assistencialistas (que geram muitos gastos).

O governo não está colocando no radar formas de resolver isso. E aí esse prêmio de risco custa pro mundo todo, para várias classes de ativos“, afirma. Ele explica que, ao aumentar as incertezas a respeito do governo americano, os investidores exigirão um rendimento maior para colocarem seu dinheiro nos treasuries. Consequentemente, os demais títulos do mercado deverão aumentar seus retornos também, para atrair investidores. “E como isso acontece no médio e longo prazo? Não sabemos, mas muita coisa terá que mudar para acomodar a essa nova realidade”, diz.

Para entender a raiz do problema, é preciso entender a atual conjuntura norte-americana que aumentou o risco fiscal do país. Basicamente, o governo tem aumentado potencialmente seus gastos nos últimos anos, especialmente após a pandemia. Mas essa trajetória não foi acompanhada por uma alta na arrecadação. Isso significa, portanto, que para “pagar suas contas”, os EUA precisam emitir mais títulos de dívida.

Trocando em miúdos: o governo precisa pegar dinheiro emprestado dos investidores por meio dos “treasuries”, com a promessa de devolver o montante com juros lá na frente.

Segundo o professor Henrique Castro, pesquisador da Fundação Getulio Vargas, essa situação se agravou durante a crise do covid-19, quando o governo precisou lançar mão de pacotes assistencialistas para os cidadãos que perderam renda durante a pandemia. Os gastos, portanto, subiram muito e o endividamento do governo também.

Segundo Danilo Igliori, economista-chefe da Nomad, essa não foi uma consequência só para os Estados Unidos, no entanto, os países desenvolvidos gastaram mais. Segundo o economista, nações desenvolvidas comprometeram 20% do PIB durante a pandemia. Já os países emergentes, gastaram em média 10% do PIB e os de renda menor, gastaram em torno de 4%.

Além disso, os Estados Unidos ainda enfrentaram na sequência um aumento da inflação, fruto de fatores como a própria pandemia (que paralisou a cadeia produtiva e elevou o preço de muitos itens) e a guerra entre Rússia e Ucrânia, que afetou o abastecimento de commodities e também ajudou na escalada de preços. Portanto, os juros por lá subiram e as dívidas que o governo passou a emitir ficaram mais caras.

Não à toa, no meio deste ano, o país enfrentou um “risco de calote”, quando o número máximo de dívida emitida pelo governo foi atingido e faltou dinheiro para que o país continuasse funcionando e honrando seus compromissos financeiros. Embora o problema não seja exatamente uma novidade (já que aconteceu outras vezes ao longo da história) e tenha sido resolvido rapidamente após um acordo entre democratas e republicanos para aumentar o limite, ele acendeu um alerta.

Os “rebaixamentos” dos EUA

Uma das consequências desse cenário foram as mudanças de perspectivas promovidas pelas agências de classificação de risco.

A Moody´s é a única das três maiores agências que ainda mantém o rating dos Estados Unidos no seu nível mais alto. A Standard & Poors rebaixou a avaliação americana de AAA para AA em agosto de 2011 e, em agosto deste ano, a Fitch Ratings diminuiu a avaliação dos Estados Unidos de AAA para AA+.

Os motivos que levaram a mudança de perspectiva são os já apresentados: a combinação de uma dívida pública já bastante elevada com um déficit primário enorme e um serviço da dívida (despesas com juros) crescente coloca a dívida pública americana em trajetória claramente insustentável.

A Moody’s destaca ainda a divisão política nos Estados Unidos, que torna mais difícil antever medidas que efetivamente diminuam a vulnerabilidade da situação fiscal do país. Como essa polarização política deve continuar, será cada vez mais difícil construir um consenso em torno de um plano destinado a reverter a tendência de crescimento do déficit público americano.

Para a agência de rating, mesmo sendo a maior economia mundial e o centro financeiro e comercial global, os Estados Unidos podem ter que enfrentar custos de financiamento maiores se não fizerem nada para melhorar as finanças públicas.

Segundo Gino Olivares, economista-chefe da Azimut Wealth Management, é difícil discordar dos argumentos da agência de rating. “O que surpreende na decisão foi a manutenção do rating americano no seu nível mais alto. A situação fiscal é complicada; mas o mais preocupante é que o nível de polarização política é tão grande que não há qualquer expectativa de mudança de rumo nos próximos anos”. Como consequência, Markus Allenspach, diretor de renda fixa do banco Julius Baer, espera que ocorra um rebaixamento da nota de crédito dos EUA pela agência nos próximos meses.

O que fazer com os investimentos

Na visão de Allenspach, do Julius Baer, inicialmente, não há consequência direta da decisão da Moody’s. “Para os cálculos de risco dos bancos, o Comitê de Supervisão Bancária de Basileia aplica o mesmo peso de risco para a avaliação de crédito da dívida AAA a AA-. Em outras palavras, mesmo com um rebaixamento da Moody’s, os bancos ainda manteriam os Títulos do Tesouro dos EUA como seu ativo preferido”.

Caso as medidas tomadas pelos Estados Unidos não sejam suficientes para reduzir a elevada dívida do setor público ao longo do tempo, apagará a vantagem da dívida soberana dos EUA em relação à dívida corporativa de qualidade”. Nesse potencial cenário, o banco suíço mantém sua preferência por títulos de dívida corporativa com baixo risco de crédito (emitidos por empresas triple A) aos Treasuries. “Eles são mais líquidos e terão desempenho superior aos dos títulos do Tesouro caso o cenário piore“.

Inflação nos EUA — Foto: Getty Images
Inflação nos EUA — Foto: Getty Images



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