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O agro é pop, mas não é livre de riscos. Entenda por que você deve ter cautela com Fiagros | Fiagro


O diretor de agronegócios do grupo Suno, Octaciano Neto, balança um papel que cobre a câmera pela qual fazia a videochamada com a reportagem do Valor Investe. “Olha a falta de transparência. Diz aqui: ‘produtor rural de algodão na Bahia’, mas não especifica. Quem é esse produtor?”, indagou. A folha trazia impressa uma planilha com informações sobre títulos na carteira de um fundo não identificado.

Para ele, este é um retrato de algo comum em relatórios dos fundos de investimentos na cadeia do agronegócio (os Fiagros), uma indústria que cresceu 78% em patrimônio e 59% em número de fundos nos primeiros nove meses deste ano, de acordo com dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). No fim de setembro, a classe tinha R$ 18,71 bilhões em 80 Fiagros operacionais – nem todos abertos ao investidor do varejo.

“Mesmo quando os relatórios indicam os nomes dos devedores, a informação simplesmente jogada assim não significa nada para o pequeno investidor, que não faz ideia do risco que esse devedor representa na carteira”, disse Octaciano.

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Vindas de fundos imobiliários, tradicionais pagadores de dividendos, as pessoas físicas representam cerca de 80% dos investidores de Fiagros, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

Este é o ponto de inflexão na indústria de Fiagros: ela está concentrada em crédito para atender a uma demanda do seu público majoritário, o investidor do varejo, que está atrás do dividendo. Por isso, o Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) – que representa um título de dívida do negócio – é o ativo mais abundante nas carteiras desses fundos.

“A pessoa física quer o rendimento mensal do dividendo, algo que a dívida permite”, disse a diretora da Suno Amanda Coura em entrevista ao Valor Investe durante evento da gestora sobre Fiagros.

Mas as dívidas carregam um risco inerente à capacidade de pagamento de seus devedores. E ainda há de se considerar um segundo aspecto: a capacidade de gestores para gerir riscos nessa cadeia.

Esta regra, que vale para qualquer fundo de crédito, ganha novos contornos no agro, agora que o setor se tornou a “bola da vez” no mercado de capitais.

“O risco de que falamos no agronegócio não é o mesmo do varejo. Por se tratar de um setor heterogêneo e pulverizado, há mais variáveis a serem consideradas”, disse Cesar Junior, gerente executivo de agronegócio na Serasa Experian.

O risco que se corre em títulos de dívidas pode ser tão maior ou tão menor quanto o posicionamento no mercado e a saúde financeira do devedor. O problema, no caso do agronegócio, é que há menos dados e acesso a informações sobre os entes nessa cadeia.

“Nos últimos três anos, se escutou muito sobre o agro no mercado de capitais, dada a relevância que o setor tem na economia. Então o investidor ficou tentando acessar esse mundo”, afirmou Paulo Mesquita, sócio e líder de agronegócios na gestora Riza, em conversa com a reportagem em outro evento do mercado dedicado aos Fiagros.

“O problema é que, muitas vezes, esse alocador não entende que seus fundos precisam estar protegidos com boas garantias e terem suas carteiras diversificadas por regiões e produtos. Que essa é uma medida de proteção. Isso é crucial para que o Fiagro sinta menos os solavancos do setor”, complementou o especialista.

A Suno passou a incluir nos relatórios gerenciais do seu Fiagro, o SNAG11, o perfil de risco da carteira. São análises elaboradas pela Serasa Experian sobre os lastros desses títulos. A prática, defende a gestora, deveria ser incorporada por outros fundos para “elevar a régua de transparência” na indústria.

A decisão de divulgar o risco no SNAG11 acompanha um “momento delicado para a indústria, em que muitos ativos enfrentam problemas de operação de crédito, como atrasos [de pagamentos], riscos de inadimplência e de ESG [de sustentabilidade, responsabilidade social e governança, na sigla em inglês]”, de acordo com a Suno.

Paralelamente, a indústria anda em compasso de espera pela regra definitiva da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para Fiagros, o que deve expandir as fronteiras da classe. O volume de emissões nesses fundos caiu ao menor nível no ano, em outubro, para R$ 206,8 milhões, uma queda de 80% contra o mês anterior e de 82% na base anual.

Mesmo assim, as carteiras devem continuar bem concentradas em títulos de dívida. Por quê?

O investidor que gosta da renda previdenciária [com fluxo mensal] vai manter esse hábito. E quem dita a regra [nessa indústria] é o investidor, o nosso trabalho é adaptar esse fluxo financeiro“, disse Octaciano.

O SNAG11, da Suno, fechou setembro com 89% da carteira investida em CRAs, outros 3% em Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e o restante em imóveis voltados ao agronegócio.

O diretor de agronegócios do grupo Suno conta que a gestora monta esse planejamento na originação (estruturação de emissões) dos papéis em carteira.

Um produtor de café, por exemplo, que tenha seus papéis de dívida alocados na carteira do SNAG11, terá que vender sua safra em 12 parcelas para pagar o serviço da dívida, o juro. Esta é a solução da Suno junto ao produtor para garantir o rendimento mensal do fundo sob a forma de dividendos. E o montante referente à dívida, muitas vezes, pode ser pago ao fim do prazo contratado.

“Não existe colheita de café todo mês e não vamos mudar a lógica de nenhuma cultura. As duas últimas emissões que fizemos – de João Ruiz, administrador de uma das maiores produtoras de café no país, e a empresa Leitíssima – tiveram o pagamento recorrente do juro como condição sine qua non“, concluiu Octaciano.

Qual é o risco do agro nesta safra?

Para o leitor que chegou até aqui, uma boa notícia: no caso do Brasil, os índices de inadimplência (isto é, do não cumprimento de um pagamento) no agro são historicamente mais baixos do que no mercado geral.

O último estudo da Serasa Experian apontou que a inadimplência na cadeia do agronegócio estava em 28% em julho. Naquele mês, o índice de negativados na população urbana estava em 44%.

Mas risco baixo não é sinônimo de nenhum risco.

Da perspectiva macroeconômica, Mesquita, da gestora Riza, acredita que o cenário na próxima safra (ciclo que corre de julho deste ano a junho de 2024) será mais arriscado para os Fiagros concentrados em títulos de dívida.

A margem de lucro do produtor começou a voltar à média históricaentre 25% e 30% -, depois de chegar a 60% nos últimos anos”, alertou Mesquita. Na cadeia de distribuição, a tendência também é de reajuste (baixista) das margens de ganhos.

“A demanda foi alta nos últimos anos, então as empresas do agro aumentaram seu custo fixo. Com a tendência de redução dos preços neste ciclo, porque o mercado está muito estocado, esses agentes precisarão vender com margens menores para garantir o fluxo de caixa”, avaliou o sócio da Riza.

Somando essa pressão com os juros elevados por muito tempo (e ainda alto, em 12,25%, mesmo após três cortes na Selic), mais a queda dos preços em algumas commodities agrícolas, o fluxo de caixa de produtores e empresas nesse setor tende a ficar comprometido.

Ao fim e ao cabo, com a receita em risco e uma dívida cara (o Certificado de Depósito Interbancário, CDI, está acumulado em 11,02% no ano até novembro), algumas empresas podem não conseguir honrar seus compromissos financeiros.

Mas uma regra não vale para todos. Pelo menos não no agronegócio. Embora as projeções para as safras de soja e milho sejam mais pessimistas, setores como açúcar e álcool vivem um rali global de preços, assim como o cacau, café e o suco de laranja, que tendem a ter um bom ano.

Quais são os sinais de risco alto em um Fiagro?

Para obter rendimentos elevados a ponto de competirem com os fundos imobiliários de “papel” (aqueles que investem em títulos de dívidas no setor) e entregar gordos dividendos, gestores de Fiagros podem assumir riscos maiores na carteira.

Assim como tudo em investimento, os melhores retornos vêm dos títulos que implicam mais riscos, ou seja, naqueles em que a chance de calote é maior que a média do mercado.

“Vemos o investidor tentado entrar em Fiagros porque a classe está pagando bem e ainda é isenta de tributação. Mas em rendimentos extremamente elevados o risco de operações suscetíveis a estresse do cenário está embutido”, disse Amanda, que contou à reportagem já ter se deparado com papéis emitidos a CDI+16% ao ano (um retorno muito acima do normal para ativos de renda fixa), um nível já associado a “títulos podres” (de devedores com classificação de risco elevado).

“Outra coisa que o investidor precisa avaliar nessa classe é quem está gerindo o Fiagro e qual é a política para originar operações [emitir ativos que vão para carteira]”, disse Paulo Fróes, diretor de mercado de capitais da empresa de serviços financeiros StoneX.

Um fundo pode criar uma área comercial para originar os papéis diretamente. Mas o dever fiduciário desse gestor continua sendo com os cotistas dele, e não com a empresa emissora da dívida. Então pode haver uma busca por assumir riscos baixos e ter retornos altos, sem ponderar se é viável para o produtor”, afirmou Fróes.

Esse desequilíbrio eleva o risco de inadimplência mesmo em carteiras high grade (com devedores classificados como bons pagadores). Ao emitir papéis com taxas elevadas para garantir dividendos aos cotistas, a gestora aumenta a pressão sobre o devedor, no caso a empresa dona do título.

A Suno trabalha com originação de papéis para a carteira do SNAG11, e, quando questionada sobre um possível conflito de interesses, o diretor de agronegócios do grupo disse driblar esta questão respeitando a relação ideal entre risco e retorno definida na política do fundo.

“Para nós, essa ‘medida ideal’ entre risco e retorno está entre CDI+3% e CDI+5%. Não entramos em operações que ficam fora dessa banda”, afirmou Octaciano. A carteira do SNAG11 está atualmente com um rendimento médio de CDI+3,5%.

De acordo com a análise da Serasa Experian, em setembro, quase 51% da carteira do SNAG11 tinha um risco de inadimplência menor que 0,5%. Outros 48% dos lastros desses títulos tiveram probabilidade de calote medida entre 0,5% e 6,22%; por fim, 1,1% dos papéis representava risco de calote superior a 10,6%.

Um ranking consolidado pela plataforma de dados Quantum mostra que os Fiagros mais rentáveis neste ano têm índices de volatilidade (dispersão do retorno das cotas em relação ao retorno médio no período) que beiraram até 75%, uma enormidade.

Fiagros mais rentáveis em 2023**

Nome Ticker Gestão Retorno Volatilidade Liquidez média diária dos últimos 30 dias*
NCH RECEBÍVEIS DO AGRONEGÓCIO FIAGRO FII – NCRA11 NCRA11 NextCap Asset 25,22% 10,10% R$ 330.820,07
EXES ARAGUAIA FIAGRO FII – AGRX11 AGRX11 Exes Gestora de Recursos 22,65% 15,37% R$ 236.252,97
BB FIAGRO FII – BBGO11 BBGO11 BB Asset Management 18,55% 12,91% R$ 585.392,00
ITAÚ ASSET RURAL FIAGRO FII – RURA11 RURA11 Itaú Asset Management 17,93% 12,06% R$ 2.900.730,45
DEVANT FIAGRO FII – DCRA11 DCRA11 Devant Asset 17,03% 8,76% R$ 174.782,35
JGP CRÉDITO FIAGRO FII – JGPX11 JGPX11 JGP 14,82% 13,60% R$ 580.198,00
ECOAGRO I FIAGRO FII – EGAF11 EGAF11 Eco Agro 14,79% 6,53% R$ 818.863,78
HIGH FIAGRO FII – HGAG11 HGAG11 HGI Capital 14,55% 74,68% R$ 6.677,27
RIZA AGRO FIAGRO FII – RZAG11 RZAG11 Riza Asset Management 14,21% 10,72% R$ 2.629.817,84
SUNO FIAGRO FII – SNAG11 SNAG11 Suno Asset 13,83% 3,88% R$ 1.564.607,37
FG/AGRO FIAGRO FII – FGAA11 FGAA11 FG/A Gestora 12,92% 6,03% R$ 1.600.934,86
KINEA CRÉDITO AGRO FIAGRO FII – KNCA11 KNCA11 Kinea Investimentos 12,02% 9,63% R$ 3.481.090,33
XP CRÉDITO AGRÍCOLA FIAGRO FII – XPCA11 XPCA11 XP Asset Management 11,15% 8,91% R$ 1.845.228,33
CAPITANIA AGRO STRATEGIES FIAGRO FII – CPTR11 CPTR11 Capitânia Investimentos 9,98% 7,82% R$ 1.449.436,12
VALORA CRA FIAGRO FII – VGIA11 VGIA11 Valora Investimentos 9,16% 10,61% R$ 3.576.129,10
OURINVEST INNOVATION FIAGRO FII – OIAG11 OIAG11 Fator Ore Asset 7,43% 15,04% R$ 300.067,31
LESTE FIAGRO FII – LSAG11 LSAG11 Leste 5,81% 15,21% R$ 77.336,45
AZ QUEST SOLE FIAGRO – AAZQ11 AAZQ11 AZ Quest 5,80% 13,70% R$ 746.487,20
VECTIS DATAGRO CRÉDITO AGRONEGÓCIO FIAGRO FII – VCRA11 VCRA11 Vectis Gestão 2,89% 12,78% R$ 617.634,04
PLURAL CRÉDITO AGRO – FIAGRO – IMOBILIÁRIO – PLCA11 PLCA11 Plural 1,84% 31,45% R$ 95.034,67
GALAPAGOS RECEBÍVEIS DO AGRONEGÓCIO FIAGRO FII – GCRA11 GCRA11 Galapagos Capital 0,94% 9,52% R$ 315.195,55
051 AGRO FIAGRO FII – FZDA11 FZDA11 051 Capital 0,61% 44,07% R$ 11.813,93

*Dados da plataforma de dados Clube FII em 16 de novembro de 2023.
** Para consolidação do ranking, a Quantum considerou apenas os fundos em funcionamento normal na bolsa brasileira e com histórico de pelo menos uma negociação diária em 2023 até o dia 7 de novembro.

A volatilidade indica a margem de flutuação dos valores das cotas nesses fundos. O fenômeno não está associado exclusivamente ao risco, mas também a novas emissões nos fundos, à marcação a mercado e à baixa liquidez na indústria.

A questão é que, para o cotista que não segura a posição no médio e longo prazo ou que não está interessado nos dividendos, essa volatilidade pode implicar perdas. E, neste caso, talvez o Fiagro não seja o produto ideal para se ter no portfólio.

 — Foto: Getty Images
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