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Juros elevados e o ‘safe haven’ na guerra | Colunas de Alexandre Espirito Santo


O mundo de economia e finanças é complexo. Certamente não tanto quanto este belicoso dos dias atuais, de guerras na Ucrânia, Armênia e, agora, em Israel. Mas, como dizia o personagem Cal Stone, da série “Manifest”, “está tudo conectado”.

Muitas vezes é difícil explicar situações econômicas aparentemente racionais. Como profissional de mercado financeiro há muitos anos e professor de disciplinas correlatas, vivo na pele essa experiência diariamente.

Parece intuitivo que, quando a procura por um bem, serviço ou ativo aumenta seus preços devam subir. Se não houver, em contrapartida, um aumento da oferta, a tendência é de que os preços se elevem para eliminar o excesso de demanda. De forma análoga, quando há um aumento da oferta, caso não haja a ele associado um aumento da procura, os preços tendem a cair, para eliminar o excesso de oferta.

Os comentários acima valem para explicarmos os equilíbrios/desequilíbrios naturais de um mercado. Todavia, convido-os agora a pensar num título público, de emissão do Tesouro Nacional de um país.

Uma LTN (ou Tesouro Prefixado), por exemplo, é um título representativo de dívida, cujo valor de face é R$ 1 mil, na data do seu vencimento. Sua característica é ser vendido com deságio, ou seja, um valor abaixo do par, que são esses R$ 1 mil. Por exemplo, no dia que escrevo, a LTN de 2029 está sendo vendida por R$ 571. Essa diferença de R$ 429 representa uma taxa de juro de 75% no período, o que equivale, em dias úteis, a 11,38% ao ano.

Aqui trago um ponto absolutamente fundamental: existe uma relação inversa entre o preço do título e sua taxa de juro embutida. Como o cálculo é feito através de uma divisão, com R$ 1 mil no numerador e o preço do título no denominador, se esse preço aumenta a taxa cairá e vice-versa.

Se estou tendo sucesso na minha explicação, quando a demanda aumenta a tendência é vermos a taxa de juro cair, pois o preço do título irá subir. Logo, se é uma via de mão dupla, ao aumentar a oferta, a taxa de juro tenderá a se elevar.

Agora, quero ir para o cerne deste artigo.

Nesse momento, os investidores estão preocupados com os rumos da política monetária americana. O banco central americano (Federal Reserve, ou Fed) elevou suas taxas de curtíssimo prazo de zero, ali estacionadas na época da pandemia, para em torno de 5,5% ao ano num período relativamente curto.

Vamos admitir que o raciocínio aí de cima prevaleça, de relação inversa entre preços de títulos e taxa de juros. Logo, algo minimamente curioso está acontecendo no mercado. Senão, vejamos.

Quando vivemos uma crise global, a tendência é dos investidores adquirirem títulos do Tesouro americano. Logo, com um aumento da demanda, a tendência é de seus preços subirem e as taxas de juros caírem. Tal situação ocorreu nos primeiros dias da guerra em Israel. Em outras palavras, os investidores aceitam receber remunerações mais baixas para terem um porto seguro para ancorar seus recursos. O mercado chama de “safe haven”.

O que estamos vendo, entretanto, nas últimas semanas lá fora é uma abertura de taxas de juros, em especial as mais longas. A remuneração desses títulos nos EUA voltou a patamares de 16 anos. Fazendo um proxy com que descrevi, implica que os seus preços estejam caindo, logo uma onda de oferta, ou de baixa demanda, deve estar ocorrendo. Admitindo aquela visão tradicional, de que a taxa de juro é o preço do dinheiro, temos um caso em que um aumento da oferta faz um “preço” subir.

Mas, por que um investidor está vendendo o título de um país como os EUA, que apresenta uma economia forte, como demonstram as estatísticas recentes, incluindo o mercado de trabalho?

Basicamente, porque as chances de endividamento maior, por conta de déficit exorbitantes e crescentes (US$ 1,7 trilhão em 2023, contra US$ 1,35 trilhão de 2022), requerem prêmios maiores. Assim, os investidores, incertos do porvir e do comportamento dos juros no futuro, preferem se afastar dos títulos mais longos à procura de maiores rendimentos. Para piorar, como a curva de juros está negativamente inclinada (o rendimento do título de dois anos está em 5,05% e o de dez anos em 4,65%), e a taxa de curto prazo, em minha visão, não irá cair até onde a vista alcança (comento abaixo), o movimento para “desinclinar” deverá vir com o juro longo subindo, ou seja, mais vendas de títulos.

Esse último aspecto é perturbador, pois sabemos que juros mais longos em alta não favorecem investimentos em risco, como ações, em especial de empresas muito endividadas. Ademais, como o Fed vem reduzindo seu balanço, isso perturba a liquidez dos mercados e faz as taxas ficarem pressionadas. Tenho receio de que esse quadro, junto ao mundo hostil atual, possa trazer reveses às bolsas americanas em breve.

Para finalizar, muitos analistas comentam que o Fed está fazendo política monetária “de boca”, ao sugerir que o juro longo mais elevado equivale a uma nova alta de juro. Se for, será que é eficaz? Creio que teremos juros elevados por grande parte de 2024, provavelmente mais da metade do ano, sobretudo se os preços do petróleo subirem além dos US$ 100. Para que isso não ocorra, é preciso que a paz se reestabeleça. E, como tudo está conectado, que assim seja!

Um outro ponto que me incomoda é que na última quinta-feira houve um leilão de títulos de 30 anos do Tesouro americano, e a demanda foi muito fraca. Os dealers tiveram que adquirir 18% das ofertas não compradas, maior quantidade em mais de um ano. Mais um aspecto negativo é que a “cauda”, uma definição entre o rendimento esperado do título e o valor efetivamente emitido, está num dos maiores níveis em mais de dez anos.

Alexandre Espirito Santo, Economista-Chefe da Órama e prof. IBMEC-RJ

Alexandre Espirito Santo — Foto: Arte sobre foto de Divulgação
Alexandre Espirito Santo — Foto: Arte sobre foto de Divulgação



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