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Cenário da bolsa é complexo, mas retorno ainda compensa. A que ficar alerta no curto prazo? | Renda Variável


No Brasil, o gestor ‘fica’ com a bolsa, e não ‘casa’ com ela“. Foi assim que André Jakurski, fundador do Pactual, que já operou para George Soros e está há 25 anos à frente da JGP Gestão de Recursos, resumiu a experiência de investir em ações por aqui. Acompanhado de Carlos Woelz, sócio fundador e diretor da Kapitalo Investimentos, e Felipe Guerra, sócio fundador e chefe de investimentos da Legacy Capital, em painel na Expert XP, os líderes de operações com quase R$ 93 bilhões sob gestão entraram em um consenso: é difícil ganhar com renda variável por aqui.

Woelz se vê em uma encruzilhada. O cenário-base na Kapitalo é pessimista para o mercado brasileiro no médio e longo prazo, que contempla desaceleração da economia, mas o executivo resiste em se desfazer das posições que montou na bolsa. Não por apego às teses, mas por um princípio de gestão. “Os ativos brasileiros estão muito baratos, e eu não vendo ação barata sem trigger (gatilho)”, disse.

Guerra ponderou que o ciclo de corte de juros deu um ânimo ao investidor local. “Em geral, o Ibovespa entrega uma rentabilidade de CDI+10% nesses períodos [de queda dos juros]“, disse. “Mas temos uma série de discussões tributárias pela frente, que pode não interferir na alta, mas trará muita volatilidade para a bolsa e tornará esse stock picking [seleção de ações] muito complexo.

A Legacy tem baixa exposição à bolsa e concentrada em poucas ações que, na análise da equipe, sofrem menos nesse ambiente de tramitação das mudanças em tributações. “Tem empresa que, com o fim do juro sobre capital próprio [JCP], pode cair 30% em bolsa“, afirmou Guerra.

“[Ir à bolsa] É uma guerra inglória com o juro real entre 6% e 7%“, declarou Jakurski. “O investidor precisa de estômago para separar bem as ações boas das ruins. Ou então faz melhor se entregar o capital para a gestão profissional ou comprar fundo de índice.

O sócio-fundador da JGP pondera: tem ação barata na bolsa. “A Petrobras subiu mais de 40% no ano enquanto Ibovespa tem 7% de ganho acumulado. A companhia ainda está boa, embora o retorno daqui para frente tenda a não ser tão bom quanto foi nos últimos oito meses”, afirmou Jakurski.

Para Jakurski, até que o governo proponha uma mudança estatutária na Petrobras – “e não sei se ele terá essa coragem”, refletiu, a petroleira deve continuar pagando bons dividendos. “A previsão é de pagar entre 10% a 20% de dividend yield [dividendo pago em relação ao preço da ação]. Se pender para a ponta de cima, ótimo. Se pender para a ponta de baixo, não é lá tão bom, mas ainda está acima dos pares, principalmente os do exterior”, concluiu.

É preciso fugir para a renda fixa?

Para Jakurski, é uma questão de ter um gestor com “a coragem de comprar na hora que a bolsa está mal e a audácia pra vender quando está bem”. Algo muito difícil, ele reconheceu.

A Legacy prefere manter uma posição maior em crédito privado. “Conseguimos montar uma carteira de crédito high grade [empresas com avaliação de serem boas pagadoras, por isso o prêmio de risco é menor] que entregue uma rentabilidade de até CDI+3,5% com uma volatilidade bem menor que a bolsa, que vai entregar CDI+10% balançando loucamente“, afirmou Guerra.

O executivo contou preferir debêntures (títulos de dívida privada) incentivadas ou Notas do Tesouro Nacional Série B (NTN-B) para o médio prazo, “no miolo da curva [de juros], para fugir da inflação mais baixa no curto prazo”, disse.

Jakurski divergiu. Para ele, a estratégia é arriscada. “No Brasil, é preciso ter cuidado com o crédito provado“, disse. “O arcabouço jurídico e tributário faz com que, se há insucesso empresarial, a recuperação do negócio seja muito baixa. Mesmo em relação a outros países emergentes, o índice de recuperação das empresas em caso de quebra é bem maior que o daqui.”

Mas ele admite que é um mercado ainda pouco explorado. Para o gestor da JGP, se o Brasil tornar uma economia mais previsível, as debêntures tendem a aumentar prazos de vencimento do título e aí se tornariam investimentos mais interessantes, pagando juro real e com menos volatilidade que a renda variável.

O que nos espera à frente

A Kapitalo não vê a taxa básica de juro (Selic) descer tão rapidamente quanto o resto do mercado espera, com base na estimada (e ainda a ser confirmada) desaceleração da economia no segundo semestre.

A Legacy acredita que o Banco Central (BC) pode acelerar o ritmo de queda da Selic para 0,75 ponto e até 1 ponto na reunião de dezembro, apoiado principalmente na crença de que o banco central norte-americano pausou as altas por lá. “Outra razão é que acreditamos que a atividade no Brasil, assim como nos Estados Unidos, tende a desacelerar nesse fim de ano”, disse Guerra.

A equipe de análise da Kapitalo, no entanto, acredita que seria preciso um aumento do desemprego mais significativo para justificar a aceleração da queda de juros por aqui. “A questão é que não existe tolerância no Brasil para queda do crescimento. Nesses casos, o governo adota políticas contracíclicas [de estímulo à economia] para segurar a atividade”, afirmou Woelz.

Isso para o médio prazo. Woelz vê, no curto prazo, o Brasil importando a deflação dos EUA. A questão, no cenário-base da Kapitalo, é de uma desaceleração mais forte da economia seguida por uma expansão fiscal no país, o que traria mais prêmio de risco. “E a elevação do risco fiscal trará mais prêmio de juros.”

Outro ponto comum entre os três gestores: o juro real brasileiro pressiona o fisco, e a tendência é de o governo não cumprir as metas do Orçamento. Com a taxa girando em torno dos 6% e uma política mais “gastadora” no governo, será difícil a equipe econômica conseguir elevar a arrecadação nesse mesmo ritmo.

O resultado? Para Woelz, Guerra e Jakurki, o risco é de, no longo prazo, retornarmos a um ponto bem familiar para o Brasil: inflação em alta, juros subindo junto e dívida pública elevada. Há desvios de percurso que podem levar o mercado a outro destino, mas esse já é tão afeito na cena doméstica que ela caminha quase naturalmente em direção a ele.

bexiga murcha ações[ ibovespa — Foto: Getty Images
bexiga murcha ações[ ibovespa — Foto: Getty Images



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