Diretora do BC diz que é preciso ‘mudança relevante’ para alterar ritmo de cortes de juros | Moedas e Juros
A diretora de assuntos internacionais do Banco Central (BC), Fernanda Guardado, afirmou nesta terça-feira (5) que a autoridade está olhando “exatamente” para a lista indicada na última ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) para decidir se vai acelerar ou não o ritmo sinalizado de corte de 0,5 ponto percentual na taxa básica de juros (Selic) por encontro.
“[Sobre elementos que fariam o BC acelerar o ritmo de corte de juros] Estou olhando exatamente para a lista que foi indicada na ata. Olhamos para o hiato do produto, mais de perto para a inflação de serviços e para a desancoragem de expectativas”, disse em evento da Bradesco Asset Management.
“São as únicas três coisas? Não, é um conjunto de indicadores da economia. Essas três variáveis têm uma conexão entre elas. É um conjunto de coisas que anda junto, mas esses são os três fatores que demos maior destaque no processo de tomada de decisão”, continuou.
Ela enfatizou que o colegiado foi bem claro de que precisaria haver “mudanças relevantes” em relação ao cenário de desinflação projetado pelo Copom.
“Mudarmos a avaliação, sempre mudamos. Se as coisas mudarem, vamos reavaliar. Mas essa reavaliação precisa ser muito substancial para mudar o plano de voo, dado que já temos trajetória de desinflação mais otimista que o mercado tem“, explicou.
Para a diretora, o mercado e o Focus “serão mais surpreendidos que o Banco Central”.
Em relação aos riscos para a inflação, para o próximo ano ela vê ainda uma “grande incerteza sobre a persistência da inflação global”, com implicações para a política monetária de economias avançadas.
“Para 2024, a gente vê algumas nuvens se formando. No Brasil, seguimos de forma cautelosa e prudente. Há essa incerteza em relação ao hiato, mas estamos confiantes que haverá moderação da atividade”, disse.
“Tem a questão das expectativas desancoradas, há vários motivos, uma delas é uma incerteza em relação à execução das metas fiscais
O ministro [Fernando] Haddad está muito comprometido com as metas fiscais, isso é bastante importante”, opinou.
A diretora afirmou que “essa desconfiança” com o fiscal “já está materializada nas expectativas mais altas”.
“O Ministério da Fazenda tendo sucesso em atingir as metas que se propõe e colocar as medidas de tributação pode ter uma ajuda, cenário positivo para fazer as expectativas caírem um pouco mais”, acrescentou.
Atenção à cena externa
A diretora de assuntos internacionais do BC disse ainda que há incertezas no horizonte da política monetária e na inflação global. Ela elencou entre os riscos altistas para a inflação brasileira, que são a maior persistência inflacionária, juros globais mais altos, commodities, transição energética e fragmentação geopolítica. Entre os riscos de baixa, ela destacou desaceleração mais forte no crédito, instabilidade financeira, apertos excessivos dos bancos centrais e deflação na China.
“O que a gente tem cortado das nossas listas de risco? De recessão muito forte nos EUA e persistência longa de covid na China. É fato que estamos caminhando para crescimento global mais baixo para 2023, 2024 e à frente”, disse em evento da Bradesco Asset Management.
“Olhando para países emergentes e avançados, o crescimento é substancialmente abaixo das últimas décadas. É um mundo que vai crescer um pouco menos e tem relação com o esforço que tem sido feito para controlar a inflação global”, complementou.
Guardado ressaltou que em grande parte dos países a convergência da inflação para as metas “tem ficado” para 2024 ou até 2025. “O risco de desaceleração mais forte na China está se materializando”, destacou. Para ela, o fim da política de covid-19 zero na China não se revelou um “boost” de crescimento tão forte como em outras economias.
Segundo a diretora, outro desafio que ganhou relevância nas últimas semanas é o cenário fiscal nos Estados Unidos. “Os déficits fiscais nos EUA se mostram maiores que o esperado”, pontuou. Ela citou um debate sobre o efeito do fiscal na taxa neutra de juros dos EUA.
“É possível que parte desse aumento seja conjuntural, mas que tem uma questão estrutural também em relação ao longo prazo fiscal nos EUA. Estados Unidos não são o único pais que tem desafios fiscais”, ressaltou.
“Ainda há esforço final de política monetária a ser feito”
A diretora do BC afirmou que há um esforço final de política monetária a ser feito, “a última milha”. A expressão também tem sido usada pelo presidente da autarquia, Roberto Campos Neto.
“Nosso ganho é de longo prazo, permanente de ter inflação mais baixa, mais previsível”, disse.
“Estamos tentando alinhar demanda e oferta, vai ter impacto na atividade [global]. Dado o risco de que a inflação de serviços seja mais persistente, bancos centrais têm dito que vão precisar continuar em modo restritivo em período prolongado”, ressaltou.
Segundo a diretora, para garantir que não é “um falso sinal” e que a convergência da inflação está garantida, bancos centrais têm dito que o processo de desinflação vai ser longo.
“As decisões do Fed [Federal Reserve] acabam tendo impacto bastante grande para todas as economias, especialmente via preços de ativos. Dessa vez os emergentes saíram na frente. Há um pouco mais de conforto [para ajustar] não só pelo tamanho dos ciclos, mas também pela tempestividade”, disse.
Para Guardado, ainda há risco de instabilidade financeira via ativos. “Isso é sempre uma preocupação para emergentes, como o Brasil. Também tivemos eventos, como observamos em março, que houve instabilidade ligada ao sistema bancário. O cenário ainda inspira cautela”, alertou.
“Não quer dizer que você não pode seguir com seu ajuste [corte], mas inspiram um pouco mais de cautela e prudência”, continuou.
Com informações do Valor PRO, serviço de tempo real do Valor Econômico.