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Ações tropeçam, e renda fixa mantém soberania | Hora de Investir


Agosto deixou a desejar com a promessa de que o início do ciclo de corte de juros começaria a deslocar capital para ativos de maior risco. Mesmo com uma redução maior do que se previa para a Selic, de 0,50 ponto percentual no início do mês, os índices de ações passaram por uma sequência de quedas e encerraram no vermelho. Com a Selic em 13,25% ao ano, há ainda uma massa de recursos que parece bem acomodada na renda fixa.

O Ibovespa, principal termômetro da B3, encerrou agosto com recuo de 5,1%, mas no ano ainda resiste, com valorização de 5,5%. Entre os referenciais de renda fixa, foram as aplicações atreladas à Selic ou ao CDI que trouxeram melhor resultado em agosto, com alta de 1,14%. Na foto do ano, quem estava em títulos atrelados à inflação com vencimento acima de cinco anos (IMA-B 5+) foi recompensado com ganhos de 14,3% até agosto.

Entre os gestores de recursos e de patrimônio, falta consenso se a evolução do cenário será mais pró-ativos de risco ou se é melhor manter certa cautela.

O cenário de fim de ciclo lá fora é sujeito a acidentes como quebra de bancos e de empresas, diz André Leite, executivo-chefe de investimentos da Tag Investimentos. E como o Brasil é “um aluno nota 5, com arcabouço fiscal que já nasceu morto, fica suscetível ao humor externo”. Com o recente movimento de saída de risco, os investidores estrangeiros tiraram recursos do mercado local e voltaram a se preocupar com fundamentos em emergentes. “O período de vista grossa para os nossos problemas está ficando para trás. O ambiente lá fora é de aversão a risco.”

Esse é um sentimento que deve se prolongar. Nos Estados Unidos, Leite avalia que os preços das ações não são atrativos e aparentemente o tema da inteligência artificial se exauriu. A economia, que se mostrava uma das mais resistentes em relação aos efeitos da política monetária, dá sinais de que vai cobrar o seu preço. Na China, os problemas do setor imobiliário podem se espalhar para outros segmentos em meio a uma demanda fraca e dados de atividade ruins. “O Brasil nisso tudo, se fosse um aluno nota 8 ou 9, poderia suportar melhor as intempéries externas.”

Com tal combinação, o investidor doméstico que ficar em ativos atrelados ao CDI ou com adicional em relação ao referencial (CDI+), pode ter num belo prêmio em relação a estratégias ligadas à inflação ou prefixadas. “A gente não vê tanto valor na curva [de juros], está bem avaliada. E em [papéis de] inflação, é a mesma coisa, o carrego até o fim do ano é abaixo do CDI”, diz.

Depois do estresse no mercado de crédito com Americanas e Light, no início do ano, Leite diz ver oportunidades em títulos de dívida “high grade”, com melhor classificação de risco, que na crise tiveram seus spreads elevados. Na bolsa, sua visão é mais neutra.

Para quem tem perfil conservador, não significa “abraçar o CDI” e ficar totalmente sem exposição a risco. Mas não é hora de colocar o pé no acelerador, diz Julio Ferreira, diretor de alocação do Julius Baer Family Office.

Embora o BC tenha iniciado o processo de afrouxamento monetário e a inflação venha caindo, o juro real segue elevado, diz Ferreira. Ele também calcula que o retorno de estratégias ligadas ao CDI tende a ser melhor do que o de Tesouro IPCA+ em 12 meses. Ele leva em conta a expectativa de CDI médio acumulado em 10% ou 10,5%, para um IPCA na casa dos 4%, enquanto os títulos atrelados à inflação asseguram, hoje, entre 5% e 5,5%.

O que está por trás é a percepção de que faltam gatilhos para uma valorização adicional dos ativos como se viu após o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ver o seu projeto fiscal aprovado. “O momento muito bom para os mercados, que foi de março até julho, provavelmente já ficou para trás”, diz Ferreira.

Evolução das aplicações financeira nominal — Foto: Valor Data
Evolução das aplicações financeira nominal — Foto: Valor Data

Quando mandou o novo marco fiscal ao Congresso, o governo assumiu metas de superávit primário ao longo do tempo, deixando claro que a estratégia para isso não seria pelo controle de despesas, mas pelo aumento da arrecadação. O compromisso com alguma regra reverberou bem, mas chegou a hora de fazer contas. “Há certo ceticismo com as previsões do governo [de déficit zero] e o nome do jogo é ver o quão longe fica”, afirma Ferreira. Para ele, o próximo momento decisivo deve ser março de 2024, quando, a depender do resultado da arrecadação, o Executivo pode ter que contingenciar gastos.

Para complicar esse quadro, tem uma desaceleração cíclica de atividade neste segundo semestre que ficou atrasada, por alguns impulsos fiscais, aumento do salário mínimo e queda de preço de commodities e da inflação globalmente, lista Ferreira. O câmbio também se valorizou pela melhor percepção fiscal. Foi um combo que trouxe ganho de renda real para a população, mas que não tem continuidade.

Para ele, o ciclo de queda da Selic, que pode levar a taxa básica a 9% no ano que vem, já está nos preços. Na bolsa, o possível freio da economia pesa contra. “E tem as questões micro, que têm a ver com a necessidade do governo de aumentar a arrecadação, com toda a discussão [de acabar] com JCP e [taxar] dividendos.” Um alento poderia ser a aprovação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) no Senado.

Por ora, para um cliente com perfil moderado, a recomendação no Julius Baer é ter 15% em ações, principalmente em fundos “long bias”, que podem calibrar o tamanho da alocação em ações conforme o cenário. A estratégia tem sido colocar algumas proteções via opções para limitar potenciais baixas. Na renda fixa, há uma parcela entre 25% e 27,5% em títulos indexados ao IPCA com prazo abaixo de cinco anos, com parte disso em crédito privado. Há também alocação grande em títulos de dívida pós-fixados.

O tamanho do corte de juros no Brasil surpreendeu até pelo placar e há elementos para justificar reduções que levem a Selic a 9% ou 9,5% ao ano em meados de 2024, afirma Alexandre Silverio, sócio-fundador e CEO da Tenax. Tal trajetória, a seu ver, seria favorável à redução do prêmio de risco dos ativos brasileiros num ambiente global que ele acredita ser mais neutro.

A maior preocupação, os Estados Unidos, deixou de ser. Não sou defensor da tese de que haverá um pouso perfeito, mas até onde a vista alcançar, estão conseguindo desacelerar a economia lentamente e o processo desinflacionário vem acontecendo”, diz Silverio, referindo-se aos ajustes monetários feitos até aqui pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano). Já a China, que tem sido fonte de preocupação, ele considera que vai decepcionar no crescimento, mas não a ponto de provocar um desarranjo da economia.

Se lá fora se confirmar um cenário mais morno, o gestor acha que será um sinal favorável para o preço dos ativos no Brasil e outros pares. “O diferencial de juros entre emergentes e desenvolvidos vai beneficiar a renda fixa, tanto as estratégias prefixadas quanto aquelas ligadas a juros reais, e principalmente a bolsa, essa é a nossa maior aposta hoje.”

Evolução das aplicações financeiras - real — Foto: Valor Data
Evolução das aplicações financeiras – real — Foto: Valor Data

Com a redução da taxa de desconto no cálculo de valor justo das empresas e um menor impacto no custo de financiamento, a Tenax tem evitado setores que podem ser alvo de reoneração fiscal e privilegiado teses que tendem a ser favorecidas pela redução do prêmio de risco.

Entre as escolhas, estão companhias dos segmentos de shopping centers (Iguatemi e Aliansce Sonae), varejo (Vivara, Mercado Livre e Track&Field), energia elétrica (Equatorial e Copel) e financeiro (XP e BTG Pactual).

O ciclo monetário, quando é a favor, costuma ser um impulsionador à tomada de risco, afirma Roberto Chagas, chefe de renda variável da EQI Asset. Ele acredita que as reduções feitas pelo BC vão levar a taxa básica a 8,75% ao ano, revertendo o cenário de juros ultrarrestritivos. “Esse movimento é estimulativo para reposicionamento dos portfólios e a renda variável é um dos melhores ativos para uma fase assim. Não é a única, tem multimercados, fundos imobiliários, mas a bolsa é um expoente disso.”

Isso não quer dizer comprar o Ibovespa, mas setores que podem ser privilegiados pela trajetória de redução de juros. Ele cita Iguatemi, Vivara e Mercado Livre como teses dessa transição. “Mas isso tudo só é verdade se o ambiente lá fora não for ultra hostil, não é o nosso cenário base.” Ele acha necessário algum decréscimo na atividade americana até para deixar o Fed confortável com a inflação e encerrar de fato o seu ciclo de aperto.

ranking pódio — Foto: Getty Images
ranking pódio — Foto: Getty Images



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