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A relevância do hiato do produto para a política de juros | Colunas de Alexandre Espirito Santo


Na última ata do Copom, semana passada, a diretoria do banco central (BC) enfatizou, no parágrafo 14, um tema que vem sendo recorrente em suas mensagens ao mercado: a importância do hiato do produto nas decisões de política monetária. Apesar de ser um conteúdo simples para os que trabalham no mercado, do que se trata, afinal, esse importante conceito econômico?

Para iniciar, quando se fala de hiato, logo lembramos das aulas de português no ensino fundamental, quando o professor aborda separação silábica. Ali, para relembrar, o hiato significa a separação de duas vogais em sílabas diferentes, como, por exemplo, em mo-e-da. O conceito vem da noção de “intervalo”; aí do lado as vogais “o” e “e” foram separadas em sílabas distintas.

Em Economia, existem algumas definições básicas e que devem ser de conhecimento de todos que desejam transitar pela ciência. Para explicar o hiato do produto precisamos de duas delas: 1) Produto efetivo: é aquele, como o nome diz, efetivamente produzido pelo país e mensurado pelo IBGE, ou seja, é uma variável observada (ex-post) e 2) Produto potencial: é aquele que o país teoricamente pode produzir usando os fatores de produção disponíveis, considerando que não há desemprego de fatores, sendo uma variável estimada (ex-ante) pelos economistas com seus modelos, portanto não observável.

Um ponto relevante é que o “emprego das pessoas” é um dos fatores de produção. Logo, o conceito de PIB potencial define que aqueles que desejam trabalhar estarão empregados, excetuando-se os que, por alguma razão, “escolheram” estar desempregados, que se encaixam no desemprego natural. Aqui se encontram, por exemplo, pessoas em idade ativa que optaram por ter um filho, descansar num ano sabático ou um estudante que se formou e não aceita receber o salário vigente. Em outras palavras, decidiram não trabalhar por um tempo (friccional). A taxa natural pode ser estimada através da taxa média de desemprego de longo prazo.

Outro aspecto é que, pela teoria econômica, o PIB potencial, ou de pleno-emprego de fatores é como se fosse a oferta de bens e serviços. Nesse caso, seria o ideal a se produzir, pois em torno dele a tendência seria a inflação ficar estável, uma vez que a demanda e a oferta agregadas estariam em equilíbrio, sem pressões adicionais sobre os preços.

Agora que temos as definições necessárias, podemos conceituar o hiato do produto, qual seja, a diferença entre os PIBs efetivo e potencial.

Vamos, então, explicar a relação entre ele e a política de juros do BC, para entendermos os comunicados do Copom.

Se a economia está trabalhando efetivamente acima do seu potencial é provável que ela deva estar superaquecida, com descompasso entre demanda e oferta. Nesse caso, como a sociedade está ávida por consumo, e a oferta não acompanha esse aumento, a tendência é a inflação de demanda aparecer. Esse seria o chamado hiato inflacionário. Aqui, por conseguinte, o BC deveria elevar suas taxas de juros para esfriar o consumo.

O caso inverso, quando a economia está fraca, com elevado desemprego e ociosidade, ou em superprodução, é de se esperar que ocorra o hiato deflacionário, pois a tendência seria de quedas nos preços. Nessa situação, o BC deveria reduzir as taxas de juros, para aquecer a demanda.

O leitor atento poderia, nos parágrafos acima, ter ficado em dúvida: como podemos produzir acima do potencial? Lembre-se que são definições! O pleno emprego é quando os trabalhadores estão trabalhando as oito horas semanais da legislação e as fábricas estão operando em um turno. O PIB efetivo está acima do potencial quando nossos chefes pedem para fazermos hora extra e as fábricas começam a operar em mais de um turno. Isso, obviamente, só acontece quando a demanda está aquecida, o que vai gerar inflação à frente.

O que o colegiado do BC sinalizou no comunicado pós-Copom e na ata é “uma maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada em função de um hiato do produto mais apertado”. Traduzindo, a economia está mais aquecida, e a distância entre o PIB efetivo e o potencial está menor, talvez nula. Por isso, a redução dos juros não se deu em intensidade maior, já que, na opinião dos diretores da instituição, a política monetária ainda precisa ser contracionista para evitar retrocesso no combate à carestia.

Para encerrar, nos últimos dias vimos vários economistas comentando sobre uma possível elevação do nosso PIB potencial, incluindo o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Isso seria decorrência das reformas feitas recentemente, que melhoraram a competitividade e a produtividade em vários setores. Concordo com essa hipótese, porém a elevação não deve ter sido tão significativa. Minha aposta é que estejamos com crescimento potencial em torno de 2% ao ano. Ou seja, se estiver certo, crescimentos mais fortes trarão a reboque mais inflação.

Alexandre Espirito Santo, Economista-Chefe da Órama e prof. IBMEC-RJ

Alexandre Espirito Santo — Foto: Arte sobre foto de Divulgação
Alexandre Espirito Santo — Foto: Arte sobre foto de Divulgação



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