Câmbio

A força do mercado de capitais na agenda ESG – e o pioneirismo do Brasil | Colunas de Sonia Consiglio


Quando comecei a atuar no mercado de capitais, em 2009, vinda do mundo financeiro, logo percebi que estava adentrando um ecossistema absolutamente potente para impulsionar a agenda ESG. Eu vinha da experiência de criar a área de sustentabilidade no Itaú e chegava com a mesma responsabilidade na Bolsa brasileira, então BM&FBOVESPA, hoje B3. Ao longo de bons dez anos nesse meio, comprovei a cada passo como os autorreguladores e reguladores, com sensibilidade para entender o timing e a forma de se implementar ações que propõem novos caminhos, abrem avenidas de evolução rumo a um desenvolvimento de fato sustentável.

Foram muitas as boas parcerias que fizemos entre Bolsa e CVM naquele tempo, principalmente estimulando a transparência de informações de sustentabilidade junto às empresas listadas. Mas não estou aqui para falar de passado, por mais valioso e estruturante que ele tenha sido, mas sim de presente e futuro. Estou aqui para falar da decisiva atuação que a CVM – Comissão de Valores Mobiliários vem tendo neste cenário.

Fiquei bastante impressionada com o conteúdo do “Plano de Ação de Finanças Sustentáveis” que a autarquia publicou em outubro do ano passado, referente ao biênio 2023-2024, com 17 iniciativas e seus respectivos objetivos, metas e prazos e em alinhamento aos ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Se eu ainda fosse executiva e tivesse de novo a missão de criar a área de sustentabilidade numa empresa, certamente me inspiraria nesse documento. Por quê? Pela completude do que foi proposto. Sustentabilidade é tema transversal, não check list. Não se implementa essa agenda e constrói essa cultura com uma lista de itens a serem cumpridos, mas sim com o entendimento estratégico de que é necessário um leque de propostas amplas e correlacionadas, que englobe os variados públicos e que tenha, primordialmente, o aval e a condução da alta liderança.

Me arrisquei a fazer uma categorização das 17 iniciativas para melhor compreendermos a completude a qual me refiro:

  • Ações internas: “Capacitação de servidores em Finanças Sustentáveis”; “Pesquisa – levantamento de indicadores de diversidade na CVM”; “Plano de Integridade CVM”.
  • Ações com as companhias: “Supervisão temática de riscos de governança em Ações ASG nas Companhias Abertas”; “Orientação – Integrar fatores ASG aos procedimentos de suitability”.
  • Mercado: “Editar regulamentação específica do FIAGRO”; “Editar regulamentação dos Fundos de Investimentos para Projetos de Reciclagem”; “Editar a Orientação CPC 10 – Créditos de descarbonização”; “Endossar as Normas de Sustentabilidade IFRS S1 e S2 emitidas pelo ISSB”.
  • Letramento: “Orientação – Blended Finance”; “Trilha de Aprendizagem – Transparência ASG fornecida por Administradores de Carteira”; “Educação Financeira quanto às finanças sustentáveis”; “Educação Financeira e proteção da mulher investidora”.
  • Transparência: “Relatório de Comunicação de Engajamento (COE) no âmbito do Pacto Global”; “Página das Finanças Sustentáveis no site oficial da CVM”.
  • Pesquisa: “Levantamento de dados sobre a evolução das finanças sustentáveis no Brasil”.
  • Política Pública: “Colaborar com a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro – ENCCLA”.

São todas ações muito relevantes e de alto impacto. Mas quero dar destaque a uma: “Endossar as Normas de Sustentabilidade IFRS S1 e S2 emitidas pelo ISSB”. O Brasil foi o primeiro país do mundo a fazer essa adesão. Vamos entender. O ISSB é o International Sustainability Standards Board, organismo internacional criado na COP 26, em 2021, que propõe que o reporte ESG seja feito junto com as demonstrações financeiras e em alinhamento às premissas da IFRS Foundation, o padrão contábil mais adotado no mundo. Em 2023, o ISSB anunciou as suas duas primeiras normas: IFRS S1 (requisitos gerais – governança, estratégia, gestão de riscos, metas e métricas) e IFRS S2 (informações relacionadas a clima – riscos e oportunidades).

A CVM declarou ainda em 2023 o endosso ao ISSB para empresas listadas, fundos de investimento e companhias securitizadoras. Será voluntário a partir deste ano (com dados de 2023) e mandatório em 2027 (dados de 2026). Vou repetir: fomos o primeiro país do mundo a aderir ao ISSB. E o que isso significa? Visão, basicamente. À época, o presidente da CVM, João Pedro Nascimento, explicou: “A gente entende que com a adoção desse padrão vamos trazer não só o capital nacional, mas também o estrangeiro, porque o mundo é comprador dos compromissos de sustentabilidade e controle das mudanças climáticas”.

Em termos mais amplos, o presidente trouxe sua perspectiva em depoimento exclusivo para esse artigo: “No Brasil, a pauta global das Finanças Sustentáveis, da Economia Verde, é oportunidade de negócios para aqueles que compreenderem a importância dessa temática. É uma pauta que gera direitos, tanto do lado econômico quanto do lado social. Não à toa, nosso país tem se posicionando como um protagonista, um líder no assunto. E a CVM se orgulha muito em observar que há diversos países que olham com bons olhos para o nosso Brasil, em especial, por conta desse esforço que estamos desenvolvendo em transpor para o Mercado de Capitais as Finanças Sustentáveis”. É isso. Apenas aplaudir de pé a CVM pelo seu pioneirismo e olhar estratégico!

Em toda a minha carreira como head de sustentabilidade de grandes organizações, eu “corria atrás de CFOs e DRIs” para explicar a importância e valor agregado da agenda ESG. Quando fatos como o ISSB acontecem, percebo o quanto esse jogo mudou. As questões socioambientais e de governança estão chegando ao “mainstream”, entrando no dia a dia do mercado de forma estruturada e estruturante. É o começo do fim do mundo paralelo da sustentabilidade.

Mas esse jogo está ganho? Claro que não. No fundo, estamos falando de uma transformação de modelo de mundo. Um mundo que passa a considerar pessoas, meio ambiente e condutas conjuntamente aos aspectos econômico-financeiros, ainda predominantes. Não se faz essa mudança do dia para a noite, nem sem revezes, dilemas e dúvidas. Mas se o objetivo final estiver pacificado, é questão de seguir na estrada, passando por essas curvas. Em sua coluna mensal na ótima Revista RI – Relações com Investidores, o presidente da CVM afirmou: “Neste momento de construção coletiva e valorização da pauta global da sustentabilidade no Mercado de Capitais, a CVM e os principais reguladores dos Mercados de Capitais do mundo estão cientes da necessidade de construção de uma linguagem global”.

Animador. Mesmo assim, perguntei a ele se vê algum risco de retrocesso nesse movimento, dadas, por exemplo, as manifestações antiESG dos Estados Unidos. A resposta de João Pedro Nascimento fala por si só: “Em um ambiente democrático, temos que aceitar a existência de divergências de opiniões e de pontos de vista. E precisamos entender a realidade de cada país. Se no Brasil a Agenda Verde gera direitos, há países que podem encarar a temática como geradora de obrigações. O foco dos debates pode estar no famoso ‘equilíbrio da balança’ entre direitos e obrigações, além da compreensão de que as sociedades estão em constante transformação.”

Sonia Consiglio é SDG Pioneer pelo Pacto Global da ONU e especialista em Sustentabilidade.

Sonia Consiglio — Foto: Arte/Valor
Sonia Consiglio — Foto: Arte/Valor



Valorinveste

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo