Carreira

“Podemos confiar nossos bilhões a você?” Fundos criam escolas por talentos em Wall St


Bloomberg — Há mais de uma década, o titã dos fundos hedge Steve Cohen
e seu gestor Harry Schwefel estavam sentados no movimentado trading
floor da SAC Capital. Schwefel refletia sobre como tinha tido sorte ao longo
de sua ascensão na empresa, ao que Cohen respondeu: “Não podemos mais
permitir que isso seja sorte”.
Hoje ele desfruta do resultado dessa realização. A dupla desenvolveu uma
das primeiras “linhas de montagem” de grandes talentos do setor de fundos
hedge – nas palavras de Cohen, ao escolher pessoas que seriam
classificadas com “nota” nove e transformando-as em dez.

Baixe uma lista de 11 ações de Small Caps que, na opinião dos especialistas, possuem potencial de crescimento para os próximos meses e anos
O resultado é um grupo de profissionais de alto desempenho que o ajudou a
se reerguer depois de um escândalo oneroso de insider trading e a sair do
outro lado com um império cujos cofres agora ostentam US$ 34 bilhões em
ativos de clientes.

Cohen e Schwefel, que subiu ainda mais na carreira e se tornou codiretor de
investimentos da empresa sucessora da SAC, a Point72 Asset Management,
foram os pioneiros no campo de treinamento para profissionais de fundos
hedge – equivalentes aos multimercados no Brasil -, mas não estão sozinhos.

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A Citadel, de Ken Griffin, a Balyasny Asset Management, de Chicago, e outros gigantes do setor também criaram treinamentos exaustivos. A mágica é realizar uma espécie de alquimia de recursos humanos: transformar o metal básico de analistas promissores no ouro dos gestores de portfólio que podem lhe render de US$ 50 milhões a US$ 100 milhões em lucros anuais.

Suas fábricas de talentos parecem dar frutos. Mais da metade dos stock pickers de Cohen passaram por seu programa. O primeiro graduado ainda faz o trading para ele.

Na Citadel, em que até mesmo um estágio pode pagar US$ 19.200 por mês, o treinamento de traders significa que os funcionários ficam mais tempo e progridem mais rapidamente.

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Phil Lee foi elevado de humilde analista a chefe de uma de suas unidades de ações em menos de uma década. O esquema Anthem de Balyasny produziu 14 gestores de portfólio que estão entre os de melhor desempenho, incluindo o sócio Sebastiaan De Boe.

Na Citadel, os trainees são ensinados a apoiar as propostas de colegas que estão em um nível mais baixo na hierarquia; na Balyasny, eles recebem um montante limitado de recursos e têm de gerar retornos que se igualem ou superem os mais antigos da empresa; a Point72 quer que seus funcionários pensem como CEOs, o que significa que eles terão que criar e administrar um book de ideias, tudo isso com a adesão total de suas equipes. Cada movimento deles é monitorado e analisado, e os dados são examinados para garantir que eles tenham o material certo.

No final, tudo se resume a uma pergunta: podemos confiar nossos bilhões de dólares a você?

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Oferta limitada de talentos

O surgimento desses programas captura uma mudança histórica nesse setor de US$ 4,3 trilhões, que tem deixado para trás a era de competidores excepcionais, como Griffin e Cohen, e tenta incubar uma nova geração de líderes com soft skills, como formação de equipes e capacidade de ouvir as ideias de outras pessoas.

O mais importante é que eles também estão sendo impulsionados por uma crise de recrutamento. Os gigantes de hedge fund do mundo simplesmente não têm traders famosos em número suficiente para compartilhar.

“A necessidade é evidentemente clara”, disse Pablo Salame, co-CIO da Citadel, à Bloomberg News em uma rara entrevista. “Uma das restrições mais significativas do setor é a disponibilidade de talentos.”

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Nos últimos anos, as maiores empresas se envolveram em uma amarga guerra de talentos que provocou conflitos, litígios e retaliações e que contribuiu para a quebra de pelo menos uma empresa.

É melhor formar do que contratar

Com os fundos incapazes de contratar com rapidez suficiente para acompanhar o aumento de seus ativos, o crescimento futuro do setor está ameaçado. Alguns já retêm 60 centavos de cada dólar que ganham para ajudar a pagar os traders.

Como resultado, atrair pessoas de fora com recompensas cada vez mais generosas parece insustentável. A busca por “joias não lapidadas” internamente se torna uma necessidade, não uma escolha.

A escassez de pessoal impõe sérios limites às grandes empresas “multiestratégicas”, aquelas que entregam capital a dezenas de traders. A Citadel, a Millennium Management, a Point72 e a Balyasny fecharam as portas para novas captações, apesar da demanda desenfreada por seus fundos.

A Citadel foi além, devolvendo US$ 25 bilhões aos clientes desde 2017, o equivalente à metade do total de entradas líquidas do setor nos últimos 13 anos. A Millennium devolveu cerca de US$ 38 bilhões desde 2020, embora grande parte desse valor tenha voltado para a empresa em uma nova classe de ações.

“Não é nosso desejo devolver capital”, disse Salame. “Precisamos ter as pessoas para aplicar o capital de uma forma que seja consistente com nossos padrões e nossas metas para os investidores.”

Como fazer parte de uma gestora de elite?

Nem todo mundo está disposto a participar dessa versão de “Escola do Rock” dos fundos hedge. O Millennium, de Izzy Englander, é um notável resistente, pois prefere que seus gestores renomados sejam lobos solitários, e não produtos bem aperfeiçoados de uma linha de produção interna.

A casa treina analistas juniores por meio de estágios no UBS Group.

O filho de Englander, Michael, no entanto, aposta alto no cenário em transformação, lançando seu próprio fundo multiestratégia, o Greenland Capital, para se concentrar no “desenvolvimento contínuo de talentos, em oposição à aquisição tradicional”.

Além de mostrar um setor em profundo estado de fluxo, esses programas também oferecem um raro vislumbre de algo que fascina tanto as pessoas de fora quanto os jovens financistas: o que exatamente faz um gestor de elite, ou um “número dez” na visão de Cohen? O que garante o seu lugar nessa mesa de treinamento?

O talento permite a entrada no prédio, mas Schwefel, da Point72, insiste na paixão genuína pelo investimento. Lee, da Citadel, disse que pode ser a capacidade do trader de montar e liderar uma equipe, o que nem sempre é uma característica óbvia em um mundo governado por alfas.

No fundo hedge do bilionário Dmitry Balyasny, a coragem é altamente valorizada. Will Scott, que dirige o programa de treinamento de analistas do Balyasny, citou Stephen McGee como exemplo. McGee jogou beisebol profissional por cinco anos, principalmente pelo Los Angeles Angels e pelo San Diego Padres, antes de mudar de carreira para o setor financeiro.

Ele passou alguns anos na Noble Capital Markets e no JPMorgan antes de ser escolhido por Balyasny e colocado entre colegas muito mais jovens no ano passado. Atualmente, ele é um dos principais analistas de uma das equipes de trading da empresa. McGee teve que “alcançar pessoas mais jovens que fizeram estágios e foram preparadas para a área financeira”, disse Scott.

“O trabalho em si, quando está na mesa, é muito difícil e estressante. As pessoas que demonstrarem resiliência realmente tendem a se destacar.” Passar de McGee, o analista, para McGee, o gestor de recursos, seria um salto ainda mais difícil. O trabalho passa da recomendação de quais títulos comprar ou vender para um trabalho em que arrisca dinheiro de verdade e está sujeito ao fracasso.

Desde a formação de equipes até decisões complextas, como quanto apostar, quando cortar as perdas ou por quanto tempo manter um trade vencedor, há muitas maneiras de criar ou destruir uma carreira.

Os fundos hedge multiestratégia são projetados para ganhar dinheiro em todos os cenários de mercado, com retornos que dependem de grandes quantias de dinheiro emprestado, e que apostam em diferentes estratégias. As pessoas que trabalham nesses fundos podem ter carreiras perfeitamente boas como analistas, mas as empresas são brutais com os traders. Elas os demitem regularmente até mesmo por pequenas perdas.

Flertando com o abismo

“Há muitos brinquedos quebrados por aí”, disse Schwefel. “Quando você tenta dar esse salto e não é bem-sucedido, é difícil voltar atrás.” Um trader que perde 5% em algumas casas, inclusive na Millennium, pode ter seu capital parcialmente retirado, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto. Uma queda de 7% pode levar à rescisão imediata.

A Eisler Capital já demitiu traders por perderem menos de 5%. Se Warren Buffett trabalhasse para uma dessas empresas, ele poderia ter sido demitido oito vezes na última década por violar os limites de risco, avaliados pelo desempenho das ações da Berkshire Hathaway.

Essa rigidez fez com que as empresas multiestratégias se tornassem motores constantes de lucro. Encontrar pessoas que possam cumprir persistentemente esses padrões é outra questão, especialmente quando mais de 50 desses fundos estão lutando por elas. Um recrutador citou um trader que foi demitido em um mês. Outro apontou para uma equipe inteira que foi demitida antes de todos os membros terem entrado.

Guerra por talentos

A guerra de talentos dos fundos hedge tem várias causas principais. A oferta está restrita, porque o campo de treinamento tradicional para gestores de portfólio – as mesas de operações dos bancos de investimento – foi destruído pelas regulamentações pós-quebra do Lehman Brothers. Ao mesmo tempo, os estímulos dados durante a pandemia nos EUA inundou os fundos com dinheiro. O setor administra cerca de US$ 3 trilhões a mais do que em 2008.

Os fundos multiestratégia absorveram o dinheiro em um ritmo ainda mais frenético. O capital da Citadel aumentou mais de cinco vezes, chegando a US$ 63 bilhões desde 2008, enquanto a Millennium cresceu na mesma proporção, para US$ 68 bilhões. A quantidade de dinheiro que os gigantes podem administrar depende da rapidez com que eles podem contratar ou treinar. Some isso à cultura de contratação e à demissão de traders, e a busca por gestores inteligentes é tão importante quanto os retornos estelares e o aumento de caixa.

A criação de um “legado” e de empresas que durem mais do que os fundadores também começa a ser considerada. Alguns fundos já têm mais de três décadas de existência e querem se diferenciar por meio da cultura, como o “espírito de equipe” da Point72 versus a “alergia” da Millennium ao pensamento em grupo. Alguns permitem que os traders trabalhem de casa, enquanto Griffin, da Citadel, quer colaboração “dentro de nossas quatro paredes”.

Uma pesquisa do Goldman Sachs com 20 fundos multiestratégia constatou que todos consideram a cultura e o ambiente como fundamentais para atrair talentos. A Point72, de Cohen, cujo esquema de treinamento permitiu sua reconstrução depois que a SAC pagou uma multa recorde de US$ 1,8 bilhão para resolver uma longa investigação de insider trading, busca talentos brilhantes desde a universidade até o nível de analista sênior.

O programa ajuda a empresa a descobrir quais habilidades estão ausentes internamente, de modo que possa concentrar seus esforços em alvos de recrutamento externos que tragam o que falta. Leia mais: Point72, de Steve Cohen, prepara fundo com foco em ações de IA, segundo fontes Os estagiários do programa Academy têm almoços semanais com gestores e analistas sênior para ouvir histórias pessoais, sucessos e fracassos.

Schwefel disse que está atingindo um ponto de inflexão que poderia eventualmente permitir que os traders se lançassem mais rapidamente, com mais capital, ou começassem com equipes e mandatos maiores.

A Citadel recebeu mais de 136.000 inscrições de graduados e pós-graduados neste ano para ingressar ou estagiar na empresa. Sua taxa de aceitação é de menos de 0,5%, bem abaixo de Harvard ou do MIT. Portanto, conseguir uma vaga entre seus cerca de 150 gestores é um trabalho difícil. Para isso, é preciso “colocar capital com sucesso em ideias que não são suas”, disse Lee.
Os estagiários da Balyasny têm de passar pelo menos 12 meses provando seu valor gerenciando capital dentro de uma estrutura de risco mais rígida do que a dos traders veteranos.

O elogio ao trabalho em equipe é uma mudança em um setor construído por indivíduos que, em sua maioria, davam seus nomes às empresas, tomavam todas as decisões e faziam fortunas pessoais. Isso começa a parecer antiquado à medida que os investidores buscam fundos que não dependem de estrelas do rock isoladas, mas que, em vez disso, contratam grupos inteiros de profissionais de alto desempenho e os acorrentam a regras fixas e limites de risco rigorosos para evitar desastres.

Embora o verdadeiro valor de um trader se torne mais claro por meio do processo, reduzindo o risco de erros de contratação, o esforço também pode comprar lealdade. Os analistas poderiam ser mantidos na empresa se vissem um caminho para se tornarem gestores.

“O momento de maior orgulho de minha carreira foi quando fui promovido a gestor”, acrescentou Lee. “Isso rivaliza com o que senti quando assumi a Surveyor em 2021, devido ao esforço que tive de fazer para chegar lá.”

Metade dos gestores de carteiras de ações fundamentalistas da Citadel e dois terços dos da Surveyor começaram como analistas ou associate da Citadel. Sete de cada dez gestores que passaram pelo treinamento da Point72 desde 2019 ainda estão lá. O tempo médio de permanência de seus gestores de ações é de mais de seis anos, disse a empresa.

Embora não haja dados comparáveis entre seus pares, os especialistas do setor dizem que esse é um dos períodos mais longos em um fundo hedge. “Você atrai as pessoas da mais alta qualidade oferecendo uma carreira, não apenas um emprego”, concluiu Salame, da Citadel.

Schwefel está igualmente otimista com o que aconteceu desde sua conversa com Cohen, anos atrás. “A sorte diminuiu muito na Point72”, diz ele, referindo-se à forma como ela estimula o talento atualmente. O nome não oficial de Cohen para o programa “Nove” também deu lugar a algo mais seco e corporativo. Agora é conhecido como LaunchPoint.

© 2024 Bloomberg L.P.



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