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Com suspensão de cortes da Selic, renda fixa fica no topo | Hora de Investir


A interrupção dos cortes da Selic, na semana passada, foi o último ato de um primeiro semestre que começou otimista, com previsões de que a taxa chegaria a menos de dois dígitos no fim do ano, e agora se encerra com tensão e incertezas em relação à política fiscal, ao controle da inflação no Brasil e ao início do afrouxamento monetário nos EUA. Foi também um balde de água fria nas expectativas de migração do investidor para ativos de maior risco, como ações em multimercados. Com os juros básicos a 10,5%, a renda fixa se mantém no topo das preferências, e o crédito privado desponta como preferido. Junho também foi mais um mês de bom retorno para quem comprou dólar ou investiu no exterior sem proteção cambial.

No ano até 27 de junho, o Ibovespa amargava queda de 7,36% e, no mês, alta de 1,81%, sendo que entre os índices o pior desempenho é o do Imob, que reúne os papéis mais negociados do setor imobiliário, com recuo de 15,44% no ano, mas alta de 2,77% no mês. Já o de Small Caps, que reúne empresas menores e ligadas à atividade doméstica, vem logo depois, com queda de 13,86% de janeiro a 27 de junho e alta de 0,78% no mês. Enquanto isso, o CDI ostenta significativos 5,22% no semestre e 0,79% no mês, e o dólar (Ptax), em meio ao nervosismo do mercado, alta de 14,08% no ano e de 5,37% no mês.

Na renda fixa, os índices com desempenho melhor são IMA-B 5, de papéis federais em até cinco anos ligados ao IPCA, com alta de 3,50% no ano e 0,57% no mês, e o IMA-S, que representa a carteira de títulos remunerados pela Selic (Tesouro Selic) e que sobe 5,28% no ano e 0,77% no mês. A percepção de maior risco fiscal e a interrupção dos cortes da Selic atingiram em cheio os títulos com vencimento mais longo, reunidos no IMA-B 5+, que cai 4,25% no ano até dia 27 e 1,44% em junho. O Ifix, por sua vez, referência dos fundos imobiliários negociados na B3, também reflete a reversão das expectativas, já que em 12 meses sobe mais de 10%, mas no ano a alta é de apenas 0,5% e em junho, cai 1,60%.

Filippe Santa Fé, chefe da área de multimercados da gestora ASA, lembra que no fim de 2023 as referências do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) a cortes de juros levaram a uma forte reação, e a curva de juros futuros americana virou o ano prevendo reduções de 0,25 ponto em todas as reuniões de 2024. Mas, recorda, a inflação e a atividade em nível acima do esperado jogaram por água abaixo a perspectiva de que seria fácil controlar a inflação e, agora, as previsões são de dois cortes ou menos, e só no fim do ano.

“Sem o susto da reprecificação dos juros, o desempenho dos ativos teria sido melhor no primeiro semestre. E o segundo semestre também não vai ser fácil com as eleições americanas. Será a parte mais difícil do ciclo”, diz Santa Fé. “Com inflação a 4%, não tem razão para a Selic estar a 10,5%, mas os choques no mercado externo tiraram confiança de manter cortes de juros aqui. Estamos a reboque do que acontece lá fora.”

Gustavo Vieira, sócio e economista do fundo Opportunity Total, lembra que, no Brasil, as dificuldades para aumentar a arrecadação no primeiro semestre, somadas às surpresas com aumento nos gastos, especialmente com previdência, levaram a um questionamento maior da capacidade do governo de cumprir metas fiscais. “Isso levou a um ambiente de maior contestação da força do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a questionamentos da resiliência do arcabouço.”

Ele lembra que, mesmo com dados positivos de inflação, embora com alguma surpresa negativa nos preços dos serviços, o protagonismo acabou sendo da falta de consenso na penúltima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), quando o mercado começou a questionar o compromisso de manter a inflação na meta. “Ou seja, vimos um aumento do risco político, fiscal e monetário e o mercado puniu diversas classes de ativos, caso de bolsa, câmbio e juros.”

O sócio do Opportunity também ressalta que, no câmbio, o otimismo levava em consideração o quadro positivo das contas externas, que se deterioraram da virada do ano para cá. “As contas não estão ruins, mas o ‘amortecedor’ piorou. Nunca estivemos na ponta que previa que o dólar chegaria a R$ 4,50, mas ainda não estamos com apostas contra o real”, diz.

“O último trimestre foi de turbulência. Estamos tentando identificar os excessos para nos beneficiarmos da descompressão.” No entanto, afirma, como os riscos ainda são altos, a busca é por ativos que não perdem tanto em um cenário em que eventualmente aconteça uma deterioração rápida. Por isso, a opção pelos títulos federais com juros reais e vencimento longo. A exposição a Brasil, porém, está abaixo da média histórica. Já a alocação na bolsa americana está acima da média, embora já com algumas reduções para aproveitar ganhos das altas recentes.

Na mesma linha está a ASA. Santa Fé explica que a decisão de começar a se desfazer das posições no Brasil foi tomada em fevereiro, diante da preocupação com o mercado de trabalho forte. “Saímos de juros no Brasil e fomos para juros no Canadá e na Europa. Todo mundo está perdendo dinheiro com juros.” Ele diz que, sem risco de Brasil na carteira, opera concentrado na ideia de que os dados da economia americana podem começar a vir melhor que o esperado. A visão para o dólar, portanto, é positiva, com previsão de que pode subir de 30 a 50 pontos-base.

Sócio do escritório de gestão de investimentos Astra Capital, Arthur Costa afirma que, na média, os multimercados estavam posicionados para uma redução maior e mais rápida dos juros nos EUA e no Brasil. Como os cortes do Fed não vieram e no Brasil houve uma revisão das expectativas para a Selic já antes da interrupção neste mês, os fundos perderam e agora estão mais neutros. “Além disso, eles, na média, estavam mais pessimistas com bolsa americana, por causa da perspectiva de piora na economia, o que afetaria as empresas, mas isso não aconteceu.”

Como a maior parte das apostas dos gestores estava na melhora do real, afirma Costa, as perdas foram em juros, bolsa e câmbio. “Os multimercados são fundamentais na carteira, mas perderam espaço porque sofreram bastante. Agora, precisam de um cenário menos nebuloso para que tenham de novo ênfase na alocação.” O sócio da Astra Capital lembra também que a barreira de IPCA mais 6% na curva de juros reais foi superada, o que é um chamariz importante para investidores. “As NTN-Bs (ou Tesouro IPCA+) com vencimento de 2030 a 2035 já estão em IPCA mais 6,3%.”

Outro impacto da expectativa de Selic maior, explica, é nas contas das empresas, o que afetou a bolsa. “Com a Selic a 10,5%, a conta para o lucro das empresas é outra. A bolsa abriu o ano esperando bater 150 mil pontos, mas foi de 132 mil pontos no início do ano para 122 mil agora. A gente não vê a bolsa tão barata desde 2015.” No entanto, frisa, mesmo assim é preciso entender o perfil o apetite por risco e o prazo do investidor.

Costa diz que a bolsa brasileira é a preferida dos estrangeiros para prazos curtos, portanto, tem grande potencial de atração de recursos quando o Fed começar a reduzir juros, a depender das eleições americanas, cujo resultado pode gerar fuga de emergentes. “E aí vamos ver se vai ser um tiro curto até o fim do ano para chegar a 140 mil pontos ou se vai ser um movimento perene.” Na carteira da Astra, o ano começou com aumento na exposição à inflação e redução na parcela prefixada, planos que seguirão no segundo semestre.

O sócio da Astra comenta ainda que a parcela de renda fixa que não precisa de liquidez imediata está com força em crédito privado, segmento que vem atraindo as atenções sobretudo a partir de fevereiro deste ano, quando o Conselho Monetário Nacional (CMN) restringiu emissões de títulos como LCIs, LCAs, CRIs e CRAs. Levantamento da área de pesquisa do banco ABC Brasil mostra que, somente até maio, a captação líquida de fundos com pelo menos 15% em crédito privado soma mais de R$ 220 bilhões, sendo cerca de R$ 30 bilhões em debêntures incentivadas.

Laurence Mello, responsável pela estratégia de crédito e alternativos da AZ Quest, lembra que a taxação dos fundos fechados exclusivos ou restritos também elevou fortemente a demanda. Ele explica que, em um ambiente de cenário internacional incerto, quadro doméstico restritivo e juro real alto, entre 6,5% e 7,5% ao ano, a busca se concentra em investimentos conservadores. “Crédito é a classe de ativos que está entregando resultado”, avalia. “As empresas com nota mais alta não estão no máximo delas, mas estão bem, no nível de segurança, apesar de alguns setores mais apertados.”

Para ele, a forte redução dos “spreads” (diferença entre a taxa paga pelo papel e o título público de referência) vista do início do ano para cá não diminui a atratividade do segmento. “O spread não está alto, mas não está ultrajante.” Mello acredita que os prêmios de risco das debêntures incentivadas ainda vão se manter apertados, já que o juro real está alto e esses papéis dão isenção de Imposto de Renda. E, afirma, o momento favorável às empresas levará muitas estreantes a acessar o mercado de capitais para economizar com crédito bancário. “Quanto maior o juro real, mais os investidores vão aguentar spreads de crédito apertados. Conforme for abaixando, é que elas vão exigir ajustes.”



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