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Tesouro Direto: cenário conturbado faz as taxas dispararem. Vale a pena aproveitar? | Tesouro Direto


Quem investe em Tesouro Direto tem acompanhado a disparada das taxas, que chegaram a atingir patamares de um ano atrás. A notícia é boa para quem estava aguardando uma oportunidade de comprar títulos públicos a retornos atrativos. Mas para quem já estava posicionado no Tesouro a taxas menores, foram dias de “perdas” — em caso de retirada antes do prazo contratado.

Esses dois lados opostos dos títulos públicos ganharam contornos ainda mais expressivos nos últimos dias, após uma sequência de acontecimentos que estressaram os mercados e mexeram com a percepção fiscal do Brasil. A começar pela decisão do governo de alterar a meta fiscal de 2025, trocando um superávit por déficit zero no próximo ano.

O anúncio abriu margem para a interpretação de que a responsabilidade com as contas públicas não é tão sólida quanto o mercado espera. Essa imagem de “gastador” que o governo passa faz com que os investidores percam a confiança no Brasil e vejam risco de calote no horizonte.

A ideia de o governo não honrar os compromissos no Tesouro, no entanto, é desacreditada pelo economista e colunista do Valor Investe e da rádio CBN, Marcelo d’Agosto. Para ele, o movimento acontece mais pela oferta e demanda dos grandes investidores do que por um temor de que haveria uma má gestão da dívida pública.

“Os investidores não querem apostar no longo prazo porque não se sentem seguros do ponto de vista econômico. Daí a gente vê essa dinâmica da queda do preço e avanço das taxas”.

Fato é que, depois dessa debandada, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, reforçou a visão do mercado de piora do cenário macroeconômico. O chefe da autoridade monetária fez algumas declarações menos otimistas sobre a trajetória da Selic, indicando um possível freio no ritmo de cortes da taxa. Até então, o que se esperava era que a redução dos juros permanecesse em 0,5 ponto percentual. Agora, analistas já projetam corte menor, de 0,25 ponto percentual, na próxima reunião.

Campos Neto até destacou que a inflação vem convergindo para a meta do BC, de 3%, e que a perspectiva da atividade econômica no Brasil abre espaço para queda de juros. Mas não deixou de alertar que “a história mudou recentemente nos números fiscais“.

Todo esse imbróglio contou ainda com a fatia global jogando contra. A turbulência enfrentada pela economia americana antecede todo o impasse brasileiro. Os Estados Unidos enfrentam inflação persistente, mercado de trabalho forte, o que demonstra resiliência da economia, e discursos nada reconfortantes dos membros do Federal Reserve (o Fed, banco central americano).

Esse trio de problemas frustrou a expectativa de que o ciclo de corte dos juros por lá começaria em março. Diante desse cenário, nem mesmo a possibilidade de corte que já havia pulado para junho deve acontecer. De acordo com integrantes do Fed, o mercado tem que agradecer, e muito, se a autoridade conseguir duas reduções nesse ano, bem abaixo dos sete cortes de 0,25 ponto percentual que um dia já se sonhou.

Com juros mais altos na economia mais estável do mundo e sensação de desconfiança no Brasil, é natural que os investidores prefiram fazer aportes por lá. Por isso, o Tesouro Direto torna as taxas mais atrativas por aqui, para disputar esses investidores e equilibrar o fluxo de saques.

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Na prática, toda essa combinação de fatores fez com que as taxas do Tesouro IPCA+ (o pós-fixado que paga retorno real) e do Prefixado disparassem, chegando a patamares de um ano atrás.

A avaliação dos analistas é de que esse é um momento de oportunidade para o investidor que perdeu “a festa” de um ano atrás. Para quem não se lembra, o Tesouro IPCA+ chegou a pagar rentabilidade de mais de 6,20% acima da inflação em março de 2023, quando o cenário econômico era outro. No mesmo período, os papéis prefixados pagavam 13%. Nesta semana, os títulos atrelados à inflação chegaram a oferecer 6,16% e os prefixados se aproximaram dos 12%.

Retornos oferecidos pelo Tesouro Direto no último fechamento*

Título Rentabilidade anual Investimento mínimo Preço Unitário Vencimento
TESOURO PREFIXADO 2027 10,93% R$ 30,29 R$ 757,41 01/01/2027
TESOURO PREFIXADO 2031 11,61% R$ 33,73 R$ 481,86 01/01/2031
TESOURO PREFIXADO com juros semestrais 2035 11,55% R$ 37,74 R$ 943,65 01/01/2035
TESOURO SELIC 2027 SELIC + 0,1014% R$ 147,14 R$ 14.714,04 01/03/2027
TESOURO SELIC 2029 SELIC + 0,1461% R$ 146,52 R$ 14.652,87 01/03/2029
TESOURO IPCA+ 2029 IPCA + 6,15% R$ 31,56 R$ 3.156,62 15/05/2029
TESOURO IPCA+ 2035 IPCA + 6,05% R$ 44,67 R$ 2.233,69 15/05/2035
TESOURO IPCA+ 2045 IPCA + 6,05% R$ 37,36 R$ 1.245,47 15/05/2045
TESOURO IPCA+ com juros semestrais 2035 IPCA + 6,07% R$ 43,59 R$ 4.359,70 15/05/2035
TESOURO IPCA+ com juros semestrais 2040 IPCA + 6,05% R$ 42,99 R$ 4.299,66 15/08/2040
TESOURO IPCA+ com juros semestrais 2055 IPCA + 6,06% R$ 43,56 R$ 4.356,71 15/05/2055

As taxas e preços dos títulos são inversamente proporcionais. O que significa dizer que, tanto nos papéis prefixados quanto naqueles indexados ao IPCA, quanto maior a taxa, menor o preço e vice e versa. Quando as taxas sobem, portanto, apesar de ser uma boa notícia para quem vai investir — já que assegura rentabilidade maior se mantiver a aplicação até o vencimento, o valor de mercado dos papéis diminui, o que implica em perda temporária para quem possui os títulos na carteira.

“Naquela época [há um ano] você tinha o Tesouro Prefixado, ou seja, um título público conservador de renda fixa, pagando 13% ou alguma coisa perto disso. Você tinha o título IPCA+ pagando 6% nos vencimentos mais longos. E o investidor brasileiro demorou a entender a atratividade por causa desse ruído que a gente sempre produz nos momentos de estresse, mas o ‘gringo’ foi um grande comprador desses papéis, porque entenderam que o Brasil não teria um cenário tão ruim quanto as taxas estavam demonstrando. E estavam certos”, relembra o responsável por alocação da área de pesquisa da XP, Rodrigo Sgavioli.

Ele enxerga o movimento atual como uma continuação dos últimos 12 meses, mas a recomendação foi mudando de lá para cá. Agora, a orientação é de focar mais na proteção da inflação e aumentar os pós-fixados na carteira, sem deixar os prefixados totalmente de lado.

“Porque o prefixado, nesse cenário fiscal mais incerto e principalmente também com o movimento dos títulos americanos, é o que sente mais na veia, principalmente os vencimentos mais longos, então a gente começou a botar essa perspectiva mais em neutro, sugerindo ao investidor que fosse um pouco mais tático na hora de entrar neles”.

E por tático, o especialista quer dizer que um estresse fiscal com reflexo nas taxas dos prefixados, ainda que temporário, pode indicar recomendação de compra, mas não com o mesmo ímpeto de dez meses atrás. A pergunta que o investidor precisa se fazer, nesse caso, é: qual é o provável Brasil nos próximos dois a três anos? Acima disso são muitas incertezas na balança.

Já o aumento da exposição aos títulos IPCA+ é defendida a partir de um estudo interno da XP que mostra que, historicamente, quando o investidor compra um título longo, acima de dez anos, que paga IPCA mais 5,5%, dificilmente o investimento tem uma rentabilidade abaixo do CDI, em janela de três anos ou mais.

“Mas o motivo da gente continuar positivo com o Tesouro IPCA+, não é mais tanto pela parte dos juros oferecidos, e sim porque esse instrumento também pode ser uma proteção para esse cenário de estresse com uma inflação que insiste em não cair ou que pode não ficar tão baixa”. A avaliação do analista da casa com a do BC, que prevê queda da inflação em 2024 e nova alta em 2025. Para o analista, o investidor que não aproveitou as taxas do Tesouro Direto no ano passado “deixou o dinheiro na mesa”.

O estrategista-chefe da Warren Investimentos, Sérgio Goldenstein, faz coro à avaliação de Sgavioli, citando o choque inflacionário iminente que não era tão presente há um ano. Goldenstein cita o estresse geopolítico, a alta dos custos dos fretes marítimos com a situação no Mar Vermelho, problemas climáticos, dentre outros acontecimentos difíceis de prever. “Tudo isso acaba sendo repassado para cá e é algo que a gente não tem controle aqui. Além, claro, da própria questão fiscal que pode trazer uma elevação da expectativa de inflação”.

Para o estrategista, se o investidor quer investir em juro longo brasileiro, o ideal é mesmo aproveitar o título IPCA+, já que as taxas estão boas e tem esse extra do mecanismo de proteção contra esses choques. “Sendo um brasileiro morando no Brasil, é muito importante saber que o país vive esse histórico de recalcular rota e nesse momento o mais importante é se proteger. Tentar não ter tudo de um só e quanto mais longo o vencimento, menos você deveria ter”.

Pensando no papel com vencimento em 2045, o economista Marcelo D’Agosto acrescenta que vale apenas se o investidor tiver certeza de que vai levar até o vencimento. “Se você quer receber os juros semestrais também é um bom negócio, porque você vai receber cerca de 3% de retorno. Antes você estava comprando esse papel mais caro do que ele de fato valia, comprar com desconto agora é melhor ainda. Esse é o raciocínio de quem quer investir a longo prazo“.

Com o movimento de alta, todos os papéis atrelados à inflação oferecem juros acima dos 6%. Mas o que chamou atenção dos investidores nos últimos dias é que o papel com vencimento mais curto, em 2029, é o que tem oferecido maior retorno real, acima dos 6,15%. Tradicionalmente, os títulos mais longos costumam ser os mais atrativos, já que o risco também é maior.

Isso porque prever o cenário econômico mais distante é muito mais difícil, sobretudo com uma troca no comando do Banco Central brasileiro no radar. Os papéis com vencimento distante também acabam sendo mais voláteis, com oscilações mais acentuadas durante o seu tempo de duração.

Para alguns, o Tesouro IPCA+ 2029 é longo demais para deixar dinheiro preso até lá com um cenário doméstico e global tão incerto — apesar de ser o mais curto da modalidade disponível para compra neste momento.

Essa invertida na lógica do mercado de títulos públicos é explicada pelas últimas perspectivas em relação à taxa Selic, que pode voltar a cair a passos mais lentos. A percepção de juros maiores no curto prazo faz com que o prêmio dos títulos também de curto prazo sejam mais relevantes, para acompanhar o movimento do mercado.

Nesta semana, o Boletim Focus mostrou que as apostas para a Selic saíram de 9,13% para 9,50% ao fim de 2024, em mais um movimento de ajuste para cima. Os economistas ouvidos pelo Banco Central também vêem os juros mais altos em 2025, por volta de 9%. Antes havia expectativa que caíssem até 8,50%.

 — Foto: Getty Images
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