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Renda fixa reina em meio a dúvidas na cena externa e fiscal no Brasil | Hora de Investir


O horizonte para investimentos parece ter “50 tons de cinza”, mas para quem conseguir esticar o olhar para 2024 e adiante há preço, oportunidade e movimentos fortes esperados para potencializar o desempenho das carteiras, resume Luiz Sedrani, diretor de gestão da Tivio Capital, gestora de recursos que nasceu da união entre Bradesco e BV para classes alternativas.

Depois de um outubro ruim para ativos de risco como um todo, persiste um “grande ponto de interrogação” que é o próprio mercado que vai ter que desvendar, diz o especialista: qual é o custo do dinheiro em dólar da maior economia do planeta e, por consequência, dos demais ativos globais. No Brasil, o Banco Central (BC) deve seguir o plano de corte da Selic hoje, para 12,25% ao ano, conforme pesquisa do Valor, mas divergências sobre como o governo vai equacionar a dívida pública para uma trajetória de equilíbrio pesam num momento em que a cena externa não ajuda.

Enquanto nem gestores profissionais ou estrategistas conseguem matar essa charada, têm sido as aplicações ligadas a juros que prosperam, ainda mais no Brasil dos retornos de dois dígitos. Entre as classes convencionais, quem ganhou a corrida em outubro foi a dobradinha Selic/CDI (1%), que no ano estão nos 11,02%. O índice de renda fixa da Anbima (IRF-M) já supera os 12%. Correndo por fora, o bitcoin avançou 28,4% no mês e 98,6% no ano.

Já os índices de bolsa ficaram todos no vermelho no mês passado, com queda de 2,94% para o Ibovespa, ainda com um mirrado ganho, de 3,11%, em 2023. O pior desempenho mensal ficou com o Icon, de empresas de varejo e consumo (-8,9%) e o que reúne ações do setor imobiliário (6,09%). Este último sustenta, porém, a melhor performance do ano (22,8%).

O nível em que as taxas de juros americanas vão se estabilizar depende de variáveis que vão desde os déficits gêmeos (fiscal e conta corrente) dos Estados Unidos, com menor disposição de investidores estrangeiros, como japoneses e chineses, para tomar esse risco, passando pela resistência da economia aos ajustes monetários já feitos, até o xadrez geopolítico, com dúvidas se a guerra entre Israel e o Hamas vai escalar para outros países do Oriente Médio, lista Sedrani.

“O que se esperaria é que os bancos centrais fossem mais flexíveis, eventualmente injetando um pouco mais de liquidez, com algum outro efeito na atividade”, afirma o executivo. “É a grande dúvida sob a ótica da visibilidade da economia e do prêmio de risco no mundo.” É um rearranjo que, a seu ver, pode ser saudável para o processo de realocação de capital entre economias e, no âmbito de cada mercado em taxas de câmbio, juros e ações.

Depois de três trimestres consecutivos de queda nos lucros de empresas listadas no S&P 500, as projeções das companhias mostram recuperação à frente, com crescimento de mais de 10% para 2024, afirma Sedrani. “Em tese, olhando para os resultados, o ambiente é bom para a bolsa americana”, diz. “A economia segue gerando emprego, o motor continua forte por mais que alguns sinais suscitem desaceleração. Esse vai ser o ponto a ser monitorado.”

O desempenho dos ativos brasileiros, por sua vez, está condicionado a alguns gatilhos como o desenrolar do ambiente externo e dos passos em direção a uma certa normalização fiscal, continua Sedrani. “Na renda fixa, até pelo nível que atingiu, qualquer descompressão vai fazer com que os prêmios de risco diminuam, [juro] real ou pré. Quando se olha para a bolsa, depende de um fluxo maior.” O problema é que na construção dos diversos cenários, as probabilidades não são muito díspares. “Exige cuidado, contenção de risco e calma.”

O discurso do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) após a reunião desta quarta-feira vai servir de termômetro para o tempo em que as taxas de juros dos EUA permanecerão elevadas, segundo Samuel Ferrarezi, estrategista de investimentos do Santander. “A curva de juros nominal [taxas futuras prefixadas] reagiu diretamente à abertura [aumento] lá fora, os juros esperados ficaram maiores, mas não a ponto de o Banco Central [brasileiro] diminuir os cortes [da Selic], é o investidor exigindo mais retorno dado que nos EUA ficaram mais elevados. Os ‘pré’ acabaram sofrendo e isso refletiu no Ibovespa.”

O movimento recente trouxe, contudo, prêmios para os títulos prefixados. O horizonte de retorno de um a dois anos parece maior do que o adequado, diz Ferrarezi. A recomendação, que era neutra, passou a ser acima da média (“overweight”) da posição estrutural. Já em estratégias que asseguram IPCA e um adicional de juros (como Tesouro IPCA+), o Santander segue com indicação neutra, porque os preços estão próximos do que a equipe macro considera justo, não vale se expor.

Em compensação, no Ibovespa, o Santander sugere sobrealocação (+1, na sua régua de risco). “Tem desafios na arrecadação para as contas públicas, mas de alguma forma isso já se traduz nas expectativas, está no preço”, diz o estrategista. Em bolsas internacionais, a sugestão é na direção oposta (-1), porque o Fed não tem deixado claro qual o seu roteiro. Se sinalizar que faz mais um aumento e parar, pode ser suficiente para as bolsas esboçarem uma recuperação, mas “falta convicção”.

“No geral, é um cenário construtivo e desafiador. No Brasil, por causa do fiscal, e nos EUA pelo ritmo do consumo e o custo das companhias na hora de rolar dívida”, diz Ferrarezi. “Pode não piorar, mas não há clareza para a melhora de preços.”

O Santander trabalha com uma estimativa de Selic a 10,5% em dezembro e de 9,5% para 2024. As projeções para o Ibovespa em 12 meses estão em 140 mil pontos, o que pressupõe uma valorização de mais de 20%. Nessa conta, o lucro estimado para as empresas tem um incremento de 10%, considerando um juro real (descontando a inflação do período) na casa dos 5%.

Nos cálculos de valor justo para as ações, os juros são um dos principais componentes, lembra Eduardo Cortez, sócio-fundador da Skade Capital. Se as taxas na moeda de reserva dos EUA sobem, implica em redução nos preços dos ativos globalmente. E ainda tem uma guerra entre Israel e o Hamas, com o Irã, maior produtor de gás e um dos maiores de petróleo, no entorno, cita. “Existe risco e parte do impacto foi incorporado aos preços.”

Localmente, prossegue Cortez, a fala dissonante do presidente Lula em relação à meta de déficit zero prometida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, caiu mal nas expectativas dos agentes financeiros. “A mensagem que passou é que não importa se vai passar ou não [as medidas de] aumento de impostos, [o governo] não vai parar de gastar.” E isso pesa, especialmente num momento em que o Orçamento para 2024 está atrasado no Congresso. Se não aprova, diz, vale a regra antiga. E o BC precisa que o Executivo ajude na ancoragem fiscal, com uma meta crível. “A declaração de Lula joga tudo para o alto. O cenário ficou confuso e preocupante.”

Do ponto de vista da gestão, o que tinha para ser feito em termos de posicionamento para aproveitar preços baratos já foi executado, diz Alexandre Steinberg, sócio-fundador da Skade Capital, casa dedicada a ações. “O difícil é esperar, é sofrido, todo dia você fica quebrando a cabeça. Como diria Mike Tyson, todo mundo tem um plano até levar um soco na boca do estômago.”

As mudanças de regras cogitadas na Petrobras para permitir que pessoas politicamente expostas assumissem cargos na alta diretoria da estatal é um desses episódios, diz Steinberg. “As ações caíram 5%, os fundos internacionais saem vendendo, são bilhões de dólares envolvidos. É o Brasil, comprar barato é a melhor defesa.” Mas o investidor tem que ter paciência para ver as teses frutificarem. Por ora, não há fluxo do capital estrangeiro e tampouco local, já que o investidor pode ficar quietinho no CDI, ganhar “quase 13% sem fazer nada”.

Em vez de ter Petrobras na carteira, a gestão da Skade tem preferido as “juniors oils” (as menores do setor de óleo e gás), caso da 3R Petroleum ou mesmo da PetroRio, consideradas “bem defensivas”, segundo Steinberg. Cortez diz gostar ainda de negócios ligados à infraestrutura, como a fabricante de carrocerias, reboques e vagões ferroviários Randon e a operadora de logística multimodal Wilson Sons, na qual acabou de montar posição. No setor de açúcar e álcool, a casa tem Raízen, São Martinho e Jalles Machado.

O tema fiscal vai dominar as discussões do mercado e avançar no calendário de 2024, faltam elementos para um tom mais otimista para a bolsa, avalia Evandro Buccini, sócio e diretor da Rio Bravo Investimentos. “O técnico não é bom, não tem muito gatilho. Tem saído recursos dos multimercados e fundos de ações e o estrangeiro mostra um desinteresse total.”

Para o longo prazo, o gestor diz que títulos indexados ao IPCA voltaram para um nível atrativo, com os papéis longos Tesouro IPCA+, do Tesouro Direto, pagando a correção monetária mais 6% ao ano, enquanto debêntures de infraestrutura rondam os 7%, 7,5%. “[Os papéis incentivados] têm proteção contra a inflação, benefício fiscal e têm taxa de juros.” O gestor lembra que fundos que carregam esses títulos de dívida não têm cobrança de imposto de renda, tal qual a pessoa física na compra direta, só que com mais diversificação do risco de crédito.

Por enquanto, Buccini diz que há emissões suficientes para os fundos. Ele lembra que o projeto que tramita no Congresso pretende levar o benefício para as empresas e vai cativar outros investidores, como os fundos de pensão.



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