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O sentimento de que há muita coisa malparada no mundo afeta nossa percepção de risco | Colunas de Hudson Bessa


Paul Slovic, professor de psicologia da Universidade de Oregon e presidente do Decision Research, em seu livro The Feeling of Risk, conta que certa vez ficou sem gasolina em uma autoestrada nos EUA e que então se viu na perigosa e desafiante missão de atravessá-la para poder encher um galão de gasolina no posto do outro lado. Foi nessa situação, segundo ele, que surgiu o insight de que para atravessar as pistas, algumas, ele não tinha a menor capacidade de fazer cálculos sobre distância e velocidade dos carros, a única coisa com que podia contar era com a percepção, o sentimento de “pelo que possa ver, vai dar pra atravessar”.

Este insight possibilitou um bom avanço em suas pesquisas sobre a dimensão emocional do risco, que se afasta, e muito, a da noção estatística de risco como probabilidade.

Eu não consigo quantificar o quanto o mundo está mais arriscado, mas meu sentimento é de que estes anos pós-covid são substancialmente mais incertos que a década anterior à pandemia.

Pensando em nossos investimentos, com as informações de hoje, tudo indica que os próximos anos tendem a ser demarcados por um patamar mais elevado das taxas de juros ao redor do planeta.

Elevação de risco em geral está associado a taxas de juros mais elevadas. Maior incerteza é sinônimo de os preços dos ativos estão mais propensos as flutuações e que as perdas tendem a ser mais frequentes. Nesta situação, a expectativa é de que as taxas de juros subam para evitar fuga de recursos para ativos reais, além de compensar o próprio risco.

A geopolítica que andava meio adormecida voltou ao palco com a invasão da Ucrânia pela Rússia em um conflito que já se arrasta a quase dois anos sem previsão de fim. Não bastasse este, no último dia 7 o Hamas desferiu uma série de atentados a Israel, que reagiu com força, dando início a um confronto dentro da Faixa de Gaza. A situação evolui rápido, mas hoje os sinais são de que o conflito está se espalhando e a violência pode escalar muito ainda.

Pouco antes da Covid eclodir o preço do petróleo estava em torno de US$ 60, hoje está por volta de US$ 90, patamar um pouco acima do nível imediatamente anterior ao conflito Israel-Hamas. Algo indica que o patamar atual será superior ao pré-covid.

Outra tendência que vai se fortalecendo é o near shore, algo como contratar a produção de parceiros locais ou próximos, uma resposta ao desarranjo das cadeias globais e suprimentos provocados pela pandemia. Considerando que boa parte da modesta inflação do início do século se deveu a globalização, é de se esperar que algum nível adicional de pressão sobre os preços até que as engrenagens do novo modelo se ajustem.

Reforçando o ponto acima, a inflação no mundo continua elevada. Embora os indicadores venham recuando, sua resiliência vem impressionando os analistas que, em parte, atribuem a suavidade deste movimento a robustez da atividade econômica. As previsões correntes para 2024 e 2025 é de que a inflação será superior as metas definidas para a maioria das economias avançadas e emergentes.

Inflação mais alta, taxas de juros idem. Sendo assim, as políticas monetárias devem continuar no campo contracionista por mais um bom tempo, e o caso dos EUA é mais significativo para o mundo.

No início do ciclo de aperto por lá havia uma expectativa generalizada que o pico seria uma taxa em torno de 4,50% ao ano, pois hoje ela está no intervalo entre 5,25% e 5,50%, com perspectiva de alta ou de, pelo menos, ficar por um prazo mais longo neste platô.

Sobre os EUA, vale comentar ainda que o recente rali de venda dos títulos de 30 anos que jogou os preços para baixo e esticou a remuneração para níveis há muito não vistos. Ao que parece o aumento do déficit público, as dificuldades do governo Biden junto ao Congresso e a iminência de uma eleição muito polarizada já podem estar refletindo na percepção de risco.

Nosso país não está imune ao cenário internacional. Por aqui também devemos importar alguma inflação do mundo e concorremos com outros países que igualmente oferecem taxas de juros mais elevadas para atrair recursos. Estas duas forças criam um piso novo para a taxa de juros brasileira, que continuará a cair, porém menos do que se poderia esperar.

Se os movimentos continuarem neste compasso, o espaço para o crescimento do Ibovespa fica menor em contrapartida à maior atratividade da renda fixa.

Discorri aqui sobre uma série de fatores econômicos, tais como preço do petróleo, resiliência da atividade econômica, inflação etc. Que contribuem para o aumento da taxa de juros no longo prazo. Contudo, aposto que há uma variável de fundo, a incerteza.

O sentimento de que há muita coisa malparada no mundo afeta nossa percepção de risco fortemente.

Hudson Bessa
Economista e sócio da HB Escola de Negócios
[email protected]
www.hbescoladenegocios.com

Hudson Bessa — Foto: Arte sobre foto Divulgação
Hudson Bessa — Foto: Arte sobre foto Divulgação



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