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O que vai acontecer com a Selic? Traduzimos a ata do Copom | Moedas e Juros


Nesta terça-feira (14), o Banco Central divulgou a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). Na ocasião, a autoridade monetária fez um corte mais sutil na Selic, de 0,25 ponto percentual, o que levou a taxa básica de juros para 10,50% ao ano. Esse foi o primeiro corte de menor magnitude desde que a trajetória de quedas começou, em agosto do ano passado. Até então, os cortes da Selic foram todos de 0,5 ponto percentual. E, de acordo com a ata, as principais razões para essa mudança de rota foram o aumento nas projeções para a inflação, o mercado de trabalho forte e o cenário exterior nebuloso.

Segundo especialistas ouvidos pelo Valor Investe, o Banco Central deixou em aberto as decisões daqui em diante. Os próximos passos, portanto, devem depender dos indicadores não só de inflação como de atividade.

O Banco Central deixou claro seus temores a respeito da inflação daqui em diante, especialmente porque as projeções vêm aumentando. Prova disso são as próprias previsões do Boletim Focus, relatório semanal do BC que traz as estimativas de economistas para alguns dos principais indicadores econômicos do país.

De acordo com o Banco Central, “observou-se elevação na projeção de inflação para o horizonte relevante”, o que levou a autoridade monetária a adotar uma postura mais conservadora. Afinal, se há pressões inflacionárias que podem levar a alta dos preços a se acelerar, o “instrumento” que o BC tem para controlar essa situação é justamente manter os juros um pouco mais elevados.

E parte desses temores vêm de um mercado de trabalho mais aquecido. Não é de hoje que a autoridade monetária tem mostrado sua preocupação em relação aos dados de emprego. Isso acontece porque, de um modo geral, quando o mercado de trabalho está mais aquecido, significa que as empresas estão contratando mais trabalhadores. Então, se elas estão demandando mais mão de obra, significa que elas também estão dispostas a pagar salários nominais maiores para esses trabalhadores. E isso implica em maior custo para as companhias. Esses custos, portanto, serão repassados nos preços dos produtos. E, assim, há mais inflação.

  • Leia também: Mercado de trabalho forte no Brasil preocupa Banco Central. Mas por quê?

Existem ainda temores relacionados a outros acontecimentos, externos e internos, que podem trazer mais inflação.

Um deles é o possível aumento do petróleo (especialmente devido aos conflitos no Oriente Médio) que também pode trazer mais inflação, segundo Julia Monteiro, analista da MyCap.

O outro é a tragédia trazida pelas chuvas no Rio Grande do Sul, que além das óbvias consequências humanitárias desastrosas, também deve trazer mais efeitos inflacionários para o país. Na ata, o BC eixa claro que a “tragédia no Rio Grande do Sul também terá desdobramentos econômicos” e que “o cenário prospectivo de inflação se tornou mais desafiador”.

Do ponto de vista do cenário externo, o Banco Central tem acompanhado de perto a situação dos Estados Unidos. Julia Monteiro, analista da MyCap, destaca que o BC cita a “residiência da inflação e a postergação do início do corte de juros nos Estados Unidos”.

Ela ainda destaca que grande parte desse “adiamento” do corte de juros se deve, também, a um mercado de trabalho resiliente também por lá.

Um outro ponto importante, segundo a analista, é que quando os juros estão altos nos Estados Unidos, isso acaba atraindo investidores para lá. Afinal, os títulos públicos norte-americanos, além de serem considerados os mais seguros do mundo, ainda estão com rentabilidades atrativas. Portanto, para tentar atrair esses investidores, os juros no Brasil precisam estar um pouco mais altos a fim de oferecer um rendimento ainda maior. Trocando em miúdos: os investidores recebem mais para investir em um país um pouco mais arriscado.

O documento também fala sobre a divisão do colegiado na última decisão. Para quem não sabe, cinco dos membros votaram pelo corte de 0,25 ponto percentual, enquanto quatro (indicados pelo governo) preferiam manter os cortes em 0,5 ponto percentual. Mas, segundo o Banco Central, isso não foi um grande problema. Na ata, a autoridade monetária afirma que “os membros do Comitê que votaram por redução de 0,5 ponto percentual também compartilharam da percepção de aumento das incertezas internas e externas”.

Para Alexandre Espírito Santo, economista-chefe da Way Investimentos, o BC “tentou jogar água gelada na fervura causada pela divisão”. Segundo o especialista, a autoridade monetária explicou que os lados opostos não divergiram por questões técnicas e sim pela ideia de cumprir ou não a projeção que foi sinalizada no comunicado anterior. Para quem não se lembra, o BC já vinha alertando, em seus comunicados, de que os cortes poderiam ficar menores dado o cenário.

“A decisão que prevaleceu foi a que era mais indicado ir com uma política mais apertada do que o custo reputacional”, afirma Espírito Santo.

Marco Saravalle, estrategista chefe da MSX Invest, destaca que o Banco Central quis reforçar seu compromisso de combate à alta dos preços.

“Muito mais importante do que o eventual custo reputacional de não seguir um guidance é o risco de perder a credibilidade sobre o compromisso com o combate de inflação e com a ancoragem das expectativas. Esse foi o principal recado da ata”, afirma.

Para quem não sabe, essa “reancoragem de expectativas” nada mais é do que a tentativa de trazer as projeções da inflação no chamado “horizonte relevante” da política monetária para perto da meta. O objetivo do Banco Central é de trazer a inflação para 3% ao ano, com tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo.

Segundo Saravalle, o Banco Central deixou claro que a percepção de aumento de incertezas, tanto no cenário externo quanto interno, foi unânime entre os membros do comitê. De fato, na ata, o BC afirma que “todos concordaram que política monetária mais contracionista, cautelosa e sem indicações futuras mostrava-se mais apropriada” e “todos corroboraram entendimento de que ajustes futuros na taxa de juros serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta”.

O que olhar daqui em diante?

Segundo Saravalle, o BC “enfatizou a necessidade de flexibilização de decisões a partir de junho”, o que deixa o cen´rio em aberto.

“Isso permite também que, com um novo conjunto de informações, o BC calibre a trajetória do instrumento de política monetária de forma mais apropriada. Fica muito aberto esses próximos movimentos sem uma sinalização do que pode acontecer, embora o mercado já tenha se ajustado”, afirma.

Para ele, é importante o mercado ficar atento à inflação, à curva de juros e à atividade econômica no exterior, assim como a inflação corrente, o cenário fiscal e a expectativa de inflação no contexto doméstico.

Segundo Espírito Santo, dados da inflação de serviço devem ficar no radar. Ele destaca ainda que a tragédia no Rio Grande do Sul tem potencial para mudar os rumos econômicos ainda mais.

“É importante olhar tudo, mas a inflação de serviço é a mais difícil e ela é muito associada ao emprego. Ao mesmo tempo, acho que estamos dando, pelo menos por enqaunto, uma baixa relevância ao que está ocorrendo no Sul. Infelizmente acho que tem potencial para reduzir PIB e elevar preços”, afirma.

 — Foto: Getty Images
— Foto: Getty Images



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