Carreira

“Muitas vezes, para mudar a cultura da empresa, é preciso trocar o CEO”, diz autor


“A cultura come a estratégia no café da manhã”. A frase é do consultor de negócios austríaco Peter Drucker e mostra o peso que a cultura corporativa tem nos resultados de uma companhia. Mas, como a cultura não é uma tarefa atribuída a um departamento específico e, sim, algo gerado e mantido coletivamente pelo grupo de pessoas que trabalha em determinada empresa, a liderança enfrenta uma série de dificuldades quando entende que aquela forma de trabalho não vai levar ao resultado desejado. 

“Decidir que é preciso mudar a cultura de uma empresa é um passo muito corajoso e muito difícil de ser tomado”, afirma Jay Barney, professor da Universidade de Utah e, junto com Manoel Amorim e Carlos Julho, autor do livro O segredo da mudança de cultura, da Editora Benvirá, lançado nesta semana em português.
No Brasil para palestrar no Insper, Barney falou com a redação. 

 

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InfoMoney: Muitas companhias divulgam internamente e até da porta para fora uma lista de valores, missão e visão. E eu sei que você tem uma opinião bastante específica sobre isso. Poderia explicar?

Claro! Quando falo de cultura não estou falando daquela lista de valores que muitas empresas imprimem e colam nas paredes dos escritórios – isso tudo é uma perda de tempo. As empresas escrevem que sua missão é satisfazer os acionistas, apoiar os funcionários e ajudar nossa comunidade. E, sinceramente, quem vai discordar disso?

Mas a cultura é o que você realmente faz e realmente valoriza e o contraste entre o que está “escrito na parede” e o que as pessoas realmente fazem pode ser até muito cômico. Não é incomum, por exemplo, visitar uma empresa conhecida por maltratar seus colaboradores e ver nas parede algo como “valorizamos e respeitamos nossos funcionários”. 

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Quando há uma grande incompatibilidade entre a “cultura adotada” e “cultura real” o ambiente fica ainda mais tenso e as pessoas sentem isso. E se o funcionário não é rápido em perceber essa incompatibilidade entre discurso e prática, ele pode ser demitido por, justamente, não se adequar à cultura. 

InfoMoney: Quando a liderança percebe que tem um problema de incompatibilidade, como o senhor falou, qual é o processo para fazer mudanças?

Durante todo o meu estudo no tema – que já tem anos – não consegui encontrar nenhum exemplo de mudanças culturais bem-sucedidas que tenham começado com o CEO anunciado uma mudança de cultura ou mesmo analisando detalhadamente a cultura. Essas análises são quase sempre concebidas para reter a cultura atual e a fortalecer – não para mudá-la.

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A forma correta de fazer isso é pelo exemplo: a liderança simplesmente começa a fazer as coisas de maneira diferente. Isso, claro, depois de uma análise tradicional para definir onde e como a companhia quer chegar. E então começar a sua história de mudança. 

InfoMoney: Como a construção de uma história pode ajudar nessa mudança?

Ela é o elemento-chave para trazer o time à bordo da mudança porque vira um exemplo. No livro, contamos a história de mais de 60 empresas que passaram por mudanças. Um exemplo: 

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a Telefônica, cuja história está no livro, seguia um modelo de comando e controle, com hierarquia rígida. E isto não é uma crítica – há empresas que funcionam assim. 

Mas, a Telefônica, enfrentava mudanças  no setor e concorrência e precisava reconquistar o cliente. Então, o CEO contratou um serviço e ligou na central de ajuda para fazer a instalação. Depois de esperar por duas horas, ele avisou que era o CEO e perguntou ao atendente: ‘o que é preciso ser feito para corrigir isso? Você topa ir falar sobre isso na próxima reunião de diretoria?’ Resumindo muito, o rapaz apresentou todos os problemas para a diretoria que ficou ultrajada com o processo. Então, o CEO pediu que os diretores organizassem um plano de trabalho para resolver aqueles pontos e apresentassem a solução ao atendente. 

Quem participou daquela reunião ou ouviu sobre ela sabia que o foco tinha mudado a partir daquela história. Este foi o ponto de partida para a mudança. Mas só isso não é suficiente. É preciso continuar a história. O CEO mudou a cultura da empresa nos 18 meses em que esteve lá e fez isso sem chamar uma reunião para avisar que precisava mudar a cultura. 

InfoMoney: Então esse processo é sobre se tornar exemplo?
Completamente. Qualquer um pode falar qualquer coisa. O que realmente importa é o que você faz. E as pessoas observam de perto o que você faz, principalmente quando você é o líder. 

Os dois primeiros passos para uma mudança de cultura são: ser autêntico e começar uma história que tenha emoção. E isso precisa partir do CEO. 

InfoMoney: E como os empreendedores e fundadores de empresas podem se preparar para isso?

Construindo a oportunidade. Nos Estados Unidos, quando uma empresa se torna grande e recebe investidores, o fundador precisa saber que sua hora de sair da liderança vai chegar. Isso é uma questão de tempo! As habilidades necessárias para construir a cultura que faz a empresa crescer de 0 a 500 milhões de dólares são realmente diferentes daquela pessoa que vai levar a empresa aos bilhões de dólares. Eu sei que é uma conclusão radical, mas a verdade é que em muitos casos, para trocar a cultura de uma empresa, é preciso trocar o CEO. E para o próprio presidente entender isso, também pode ser muito difícil.
Mas o time também precisa comprar a mudança. E nesse processo, muitas vezes, é preciso desligar inclusive funcionários muito leais à companhia, que estão lá há anos, mas que são os primeiros a dizer “é assim que fazemos as coisas por aqui”. Essas pessoas precisam sair porque acabam sabotando a mudança.  

InfoMoney: E quais aspectos da cultura devem estar no centro das atenções dos investidores?

Uma empresa muito grande tinha, entre seus valores, a palavra integridade. Eles diziam que “se dissermos que vamos fazer alguma coisa, nós faremos porque temos integridade”. Esta companhia era a Enron, que esteve no centro de um dos principais escândalos de governança corporativa dos Estados Unidos. Como diz a frase, a cultura ‘come’ estratégia no café da manhã. Não adianta nada mudar a estratégia e continuar fazendo tudo da mesma forma. 

Por isso, como investidor, procuraria olhar para as atitudes que são tomadas pela liderança sênior.  

InfoMoney: Qual sugestão você daria para um líder que precisa passar por uma mudança na cultura? 

A primeira coisa que eu diria, na verdade, é que é possível. E decidir que é preciso mudar a cultura de uma empresa é um passo muito corajoso e muito difícil de ser tomado. Mas existem seis atributos principais que ajudam quem precisa passar por uma transformação. O primeiro deles é ser autêntico nessa mudança, e não mudar só porque disseram que seria melhor. O segundo ponto é que o líder precisa ser protagonista desse processo. Em terceiro, a história que será contada por meio de novas atitudes precisam sinalizar uma mudança evidente com o passado e apontar para o futuro. Além disso, essas atitudes precisam apelar para os sentimentos e as emoções dos funcionários. Por isso, e este é o quinto elemento, essas ações precisam ter algum nível de teatralidade. E, por último, garantir que essas histórias sejam contadas e recontadas na organização. 

InfoMoney: Poderia explicar o que é a teatralidade?

Claro! A história precisa ser marcante. Vou dar mais um exemplo: uma empresa de software estava com prejuízo e precisaria cortar 20% dos funcionários. Mas a companhia havia contratado um jantar de celebração em um hotel caríssimo em San Francisco que já estava pago e não podia ser cancelado. O que o CEO fez foi mudar o jantar. Os convidados chegaram e receberam pão e água. E então veio o segundo prato: pão e água. O CEO se levantou e disse: ‘nós não merecemos comemorar. Vamos ter que demitir muita gente e só estamos aqui porque já tínhamos pagado por isso. Então só teremos pão e água hoje, mas vamos mudar esse jogo e no ano que vem estaremos aqui para celebrar de verdade’. E eu tenho certeza que todos que estavam lá lembram desse dia como um dos eventos mais importantes da suas carreiras. Isso é a treatralidade: construir histórias memoráveis.



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