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Legado da pandemia: franquias de alimentação ainda faturam milhões com marcas digitais | Franquias


Quem passa em frente a uma loja do Spoleto dificilmente imagina que ali funciona mais de um restaurante. Mas nos últimos três anos, a rede, que pertence ao Grupo Trigo, tem turbinado o faturamento dos franqueados com marcas digitais. E o que começou como uma estratégia para sobreviver à pandemia virou modelo de negócio.

No total, são 18 bandeiras digitais dentro de 455 dos cerca de 600 restaurantes de Spoleto, Koni, LeBonTon, China in Box e Gendai. Juntas, as marcas faturam R$ 8 milhões por mês e representam 6,5% do faturamento total das redes franqueadas do Trigo – no China in Box, em que 85% do negócio é delivery, a participação sobe para 16%.

De acordo com Tom Moreira Leite, presidente do Grupo Trigo, a estratégia se desenrolou de duas formas. China in Box e Gendai já tinham marcas digitais formatadas na época da compra das redes, em 2021. Nesse caso, apesar de o franqueado poder optar por operar ou não uma segunda rede dentro do seu restaurante, o modelo já estava pronto. “A culinária japonesa demanda mais investimento, porque precisa de uma área de produção própria e uma pessoa especializada dentro da cozinha”, explica Leite.

Um plano de Tom Moreira Leite é montar, na Associação Brasileira de Franchising, uma trilha de educação sobre a estrutura financeira das redes — Foto:  Thayná Bonin
Um plano de Tom Moreira Leite é montar, na Associação Brasileira de Franchising, uma trilha de educação sobre a estrutura financeira das redes — Foto: Thayná Bonin

As marcas que já faziam parte do Trigo (Spoleto, Koni e LeBonTon) tiveram desenvolvimento diferente. A empresa chegou a ter uma cozinha experimental no Rio de Janeiro para testar a aceitação das redes digitais e a capacidade de desenvolvimento dentro de aplicativos próprios e de marketplaces, como o iFood. Na época, a empresa avaliou diversas culinárias.

As 18 marcas digitais atuais foram selecionadas de acordo com a complementariedade da cozinha principal. De acordo com Leite, algumas temáticas se repetem para evitar conflitos territoriais. Os “restaurantes invisíveis” são: Gokei, Owan, Kohala Poke, Banketto, Kane Poke, Giusto, Risoto do Spoleto, Saladas do Spoleto, Kissô, Poke do Koni, Hoa Poke, CTC, Gokoni, Kohala Açai, Kapua Poke, Farine, Gendai e Mammazita.

“Existe um conjunto de lojas que pode ter mais de uma [marca digital]”, diz Leite. Entre os critérios estão o território de atuação e a opção do próprio franqueado.

Digitalização da cozinha ajuda

Cerca de 20% das vendas do Spoleto vêm do delivery. De acordo com Leite, o despertar do grupo para o digital, que foi impulsionado pela pandemia, fez com que a rede se preparasse para conseguir acolher outras submarcas na mesma cozinha, sem descuidar do atendimento presencial.

Em 150 das 350 lojas da rede, o cliente passou a interagir com um totem para fazer seu pedido, em vez de ir para o balcão. A solução tenta diminuir a “sensação de fila”, de acordo com Leite. “Tivemos de resolver a capacidade de produzir mais pratos por hora, atendendo o cliente no restaurante físico e no delivery. Tivemos que repensar a cozinha toda”, afirma.

A adição de estações de produção e telas para acompanhamento dos pedidos ajudou a rede a dobrar a capacidade dos restaurantes e preparar o terreno para a inserção de marcas digitais. “Em 2024, pelo menos 90% da rede vai operar de forma mais digitalizada, o que trará mais agilidade”, diz.

Submarcas de saladas e risotos

Uma aposta recente tem sido selecionar alguns pratos secundários do cardápio para criar restaurantes específicos dentro das plataformas digitais, como o Saladas do Spoleto, que começou há cerca de quatro meses e já representa 10% do faturamento das lojas – antes eram 4%.

A estratégia, de acordo com Leite, ajuda a ganhar visibilidade em um segmento em que a marca não tinha tanta força no delivery. “Ao criar essa submarca, a gente passa a ranquear melhor dentro do nicho de saladas. Agora estamos fazendo o mesmo com risotos”, diz.

Experiência, preço e capacidade de atendimento precisam ser avaliados

Desenvolver uma marca 100% digital é uma forma de testar novos negócios com um custo baixo e que possam atingir novos consumidores, na visão da especialista Cristina Souza, CEO da Gouvêa Foodservice. Um dos principais desafios, de acordo com ela, é justamente a operação do negócio: o ideal é que seja mapeado um período de pico no atendimento do restaurante para verificar a necessidade de se contratar mais gente, tanto para o preparo dos itens da marca exclusivamente digital, quanto para o atendimento ao cliente.

“No digital, a gama de escolhas do cliente é muito maior. O atendimento precisa ser tão bom ou até melhor do que no presencial, porque a troca é muito simples”, diz.

Além disso, é preciso entender se o prato atende a uma necessidade de consumo do cliente, se o custo do envio não tornará o preço inviável e se a marca digital pode ajudar a complementar o negócio, sem gerar custos elevados.

Souza diz, ainda que criar um restaurante que só exista no delivery é uma oportunidade para testar novos pratos ou valorizar itens do cardápio regular da marca, como fez o próprio Grupo Trigo com o Saladas do Spoleto. Também é a chance de entender se uma marca bem-aceita no delivery pode ter vez no mundo físico, ajudando a estender os horários de consumo no restaurante.

Do digital para o físico

O Grupo Trigo tem testado a aceitação de marcas digitais que podem migrar para o mundo físico. Isso já aconteceu com a Le Frangô, por exemplo, que virou uma loja física em São Paulo. Recentemente, a Kohala Poke ganhou um espaço, no conceito “store in store”, dentro de uma loja do China in Box, por exemplo.

Ricardo José Alves, CEO do Grupo Halipar — Foto: Divulgação
Ricardo José Alves, CEO do Grupo Halipar — Foto: Divulgação

Essa estratégia também foi adotada pela rede Croasonho, do grupo Halipar, neste ano, trazendo a marca digital Santo Strogonoff, criada em julho de 2020, para o balcão. A ideia é que todas as 55 unidades da rede ganhem a nova roupagem até o próximo ano. “Nem todo mundo vê a Croasonho como refeição, muitos enxergam como um snack. Isso nos ajudou a avançar em horários como almoço e jantar”, diz Ricardo José Alves, CEO do Grupo Halipar.

A Santo Strogonoff foi uma das sete marcas digitais criadas pelo Halipar (Montana Churrascaria, Jikan Yakisoba, Lanchetto, Milanetto, Montana Burger e Jikan Poke e Santo Strogonoff) para ajudar a compor o faturamento das redes de franquia Montana, Croasonho, Griletto e Jin Jin. De acordo com Alves, a ideia era aproveitar os mesmos insumos, para que os franqueados pudessem ampliar os ganhos.

“Todos os franqueados que operam no delivery [370 lojas, 95% da rede] têm as marcas digitais dentro de casa”, diz. Vinte pontos em locais como aeroportos e estradas, que não oferecem delivery, não entram na conta. O Halipar deve fechar o ano com 20 novas lojas e um crescimento de 20% no faturamento, chegando perto de R$ 800 milhões.

Praticamente todas essas lojas do Halipar, que operam com delivery, estão em shopping centers, e as marcas digitais precisaram ser desenhadas como operações simples, complementares, para não trazer necessidade de investimento ou ampliação física. No canal delivery, essas bandeiras já representam cerca de 30% do faturamento. “As marcas digitais foram uma oportunidade que surgiu em meio à crise e continuou”, diz. Alves explica que os restaurantes digitais permitem que a empresa faça, ainda, promoções cruzadas, dando cupons para que o cliente conheça outras marcas do grupo.

Novos horários de consumo

As franquias de food service têm conseguido manter um crescimento sustentável, de acordo com dados da Associação Brasileira de Franchising (ABF). No segundo trimestre de 2023, as marcas que operam no nicho faturaram R$ 10,2 bilhões, um crescimento de 16,9% em relação ao mesmo período do ano passado. Em número de novas lojas, o crescimento foi de 8,5%. A entidade diz que os bons resultados são uma combinação entre o retorno ao presencial e a manutenção do delivery em patamares elevados – terreno fértil para marcas digitais.

Uma pesquisa divulgada pela própria ABF, em parceria com a consultoria Galunion, mostra que 50% das redes de franquias de alimentação operam com marcas “invisíveis”, e 95% são operacionalizadas dentro de lojas físicas já existentes. De acordo com o estudo, cada rede opera com 2,7 marcas digitais.

Carlos Guerra, fundador e CEO do Giraffas — Foto: Divulgação
Carlos Guerra, fundador e CEO do Giraffas — Foto: Divulgação

Uma das razões apontadas para o investimento em marcas digitais é alcançar o consumidor em outros horários de consumo, ou atender a novos comportamentos. Foi isso que levou o Giraffas a apostar fortemente na vertente de marmitas com o Saffari, marca digital criada no final de 2021.

A marca, operada silenciosamente dentro dos restaurantes da rede, atingiu R$ 8 milhões em vendas de janeiro a outubro de 2023, representando atualmente 16% do delivery da empresa. O faturamento anual em 2022 foi de R$ 7 milhões. O Saffari já opera em 180 dos 380 restaurantes do Giraffas, com um menu mais “simples”, como picadinho e bife à cavalo, que são feitos com os mesmos insumos utilizados no restaurante de balcão.



PEGN

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