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O dia em que tudo deu errado, mas o Ibovespa saiu ileso | Bolsas e índices


Ainda estamos na véspera de sair o dado mais importante para os mercados esta semana, mas a bolsa já travou sua primeira batalha. E saiu ilesa.

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Pode não ter sido nenhuma vitória épica para o Ibovespa, mas carrega um peso maior do que parece, porque são raros os dias assim para a bolsa. Apesar de todos os pesares, sob os pesos de Vale e Petrobras em queda e de inflação mais forte nos EUA, o índice defendeu seu ganho até o fim.

  • Hoje (14), o Ibovespa resistiu às investidas contrárias no noticiário macroeconômico e encerrou o pregão salvando um ganho de 0,28%, nos 128.515 pontos. Mais uma ajuda (“inha”) para o saldo acumulado no mês de maio, período em que o índice está com alta parcial de 2,06%. Mas, no ano, o filme ainda é ruim: perda de 4,23%.

Entre as forças internas, o índice aguentou o rojão de Petrobras e Vale em queda expressiva. Juntos, os papéis respondem por quase 27% da carteira atual. Esse “ataque” foi em parte amortecido pela ata que mostrou um Copom dividido por discussões menos politizadas do que os agentes temiam.

“O grupo que defendia o corte de meio ponto na Selic citou o risco reputacional para o Banco Central em não seguir o guidance [projeção] da última reunião do Copom. Mas mesmo esses membros do colegiado reconheceram que o cenário econômico mudou e reafirmaram o compromisso da autoridade monetária com uma inflação dentro da meta”, relata Beto Saadia, economista e diretor de investimentos da Nomos.

Ele explica que alguns desses membros do grupo ligado ao governo são contra as sinalizações para as próximas reuniões, prática que o Copom adotou neste ciclo. “São executivos que preferem outros métodos. A defesa deles é que já existe uma fórmula de reação do BC que todo mercado conhece, por isso o guidance seria dispensável ou então poderia ser substituído por uma sinalização do ‘viés’ [de baixa ou alta] para a taxa, como era feito em anos anteriores”, explica o economista.

Fato é que a ata de hoje conseguiu afastar o receio do mercado de um Copom eventualmente refém dos interesses políticos a partir do ano que vem, quando um nome indicado pelo atual governo assumirá a presidência do BC. E isso ajudou a ancorar em parte as projeções para a Selic num horizonte mais esticado.

Esses argumentos conduziram os ajustes finos na curva de juros futuros, termômetro das expectativas de investidores para as taxas.

“A ata mostrou compromisso dos diretores com a manutenção do ciclo de redução da taxa básica de juros no Brasil em uma tentativa de conciliar o combate à inflação, que pede juros mais altos, com as expectativas do mercado, que pede juros mais baixos”, pondera Felipe Castro, planejador financeiro e sócio da Matriz Capital.

“Com o início do ciclo de redução de juros nos Estados Unidos adiado em função da pujança da economia americana mesmo diante do cenário de incerteza no âmbito internacional, uma análise fria dos números poderia levar o BC a interromper o ciclo de cortes e manter a taxa em 10,75% ao ano. Contudo, para sinalizar a sensibilidade com o empresariado e a classe política, a autoridade monetária optou [na última reunião] por novamente reduzir os juros para 10,50%“, acrescenta.

O tom cauteloso do BC também foi a fonte do modesto otimismo que acometeu a bolsa brasileira hoje. Se negociadores enxergassem na ata de hoje um Copom que, futuramente, deveria abrir mão da avaliação técnica, as projeções para inflação ficariam desancoradas, o que exigiria mais juros no longo prazo. Mas isso não se confirmou.

“Os juros futuros avançaram ligeiramente na ponta curta, em linha com a leitura da ata, que reforçou uma Selic mais elevada no fim deste ciclo, sem descartar a possibilidade de manutenção no patamar atual, de 10,50% [ao ano]”, pontua Alexsandro Nishimura, economista e sócio da Nomos.

  • Prêmios em contratos de mais curto prazo estão mais ligados às expectativas de investidores para a Selic. A Taxa de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2025 reajustou em leve alta de 10,31% do ajuste de ontem para 10,33% hoje. Já para janeiro de 2033, a taxa escorregou bem, de 11,77% para 11,67%. Quão mais longo o prazo, maior a influência do cheiro de calote do governo (“risco fiscal“, se preferir).

Mas o alívio nas taxas da ponta longa da curva deu esperança de um ambiente mais amigável para a tomada de crédito no futuro – mesmo o mais distante. Uma visão favorável aos bancos, que sustentaram a alta do Ibovespa hoje.

Das 86 ações da carteira teórica mais famosa da bolsa brasileira, 34 caíram hoje. Com destaque para Hapvida na liderança das altas, e Natura na lanterna deste pregão.

  • No entanto, “diligência” ainda é a palavra de ordem entre os investidores, que operaram na bolsa com freio de mão puxado pelo segundo dia consecutivo. A carteira teórica mais famosa do Brasil girou R$ 16,8 bilhões nesta segunda, abaixo da média diária de R$ 17,4 bilhões nos últimos 12 meses.

  • O dólar comercial assumiu a direção de baixa na sessão e fechou em queda leve, de 0,39%, a R$ 5,1303. Em maio, o câmbio à vistadesvalorizou 1,2%, devolvendo parte da alta acumulada em 2024, atualmente em 5,72%.

O rojão que veio de fora

Embora não tenha protagonizado a batalha na nossa bolsa hoje, os EUA não abandonaram seu papel crucial para a construção da narrativa nos mercados. De fora, a inflação americana mais forte do que os investidores esperavam exerceu certa pressão sobre o Ibovespa.

Mas seu impacto foi amenizado por dois fatores:

  1. Não era o dado mais aguardado. O índice de preços ao produtor (PPI, na sigla em inglês) divulgado hoje, embora termômetro de preços no mercado americano, é bem menos abrangente que o indicador que virá amanhã: o índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês). Este, sim, com potencial de causar estragos.
  2. No detalhe, deu para relativizar o cenário. Embora o PPI de abril tenha acelerado significativamente em relação a março e ficado bem acima das expectativas, o mercado preferiu se apegar aos detalhes. Neles, houve espaço para otimismo. Junto com indicador mensal, revisões para baixo de números anteriores acenderam a esperança de que a foto do mercado revelada hoje talvez não seja tão fiel assim – e quem sabe o filme também não esteja tão ruim assim.

Mesmo Jerome Powell, presidente do banco central americano (Federal Reserve, o Fed), conseguiu ponderar sobre os dados. Mas numa rara demonstração de assertividade sobre a condução da política monetária este ano, o chefe da autoridade monetária foi mais enfático no seu recado ao mercado hoje: “Nada de juros descendo tão cedo, galera.”

Ao menos não até que o Fed veja a inflação de mercado descendo em direção à sua meta de 2% ao ano. Mas, para lidar com o mercado americano, Powell pode precisar ser mais incisivo.

Se o Fed quiser mesmo apagar a minúscula chama de otimismo que os agentes nutrem sobre a flexibilização monetária este ano, o recado precisa soar claro e uníssono. Algo que não é hoje.

E veja o risco potencial de estrago: mesmo sob o alerta de um PPI quente como veio, hoje as bolsas de Nova York fecharam o pregão com ganhos – Nasdaq renovou seu recorde pela sétima vez no ano – e mais agentes do mercado passaram a apostar no segundo corte das taxas pelo Fed lá em dezembro.

O “agora é que são elas” será só amanhã, quando a realidade (boa ou ruim) será inegável. A possível aceleração do índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) sacramentaria o terreno mais pedregoso para os bancos centrais caminharem: inflação resiliente com desaceleração econômica, a tal da “estagflação”.

O CPI é uma espécie de prévia de outro indicador: o Índice de Preços para Gastos de Consumo Pessoal (PCE, na sigla em inglês), que considera mais dados de preços que o primeiro, por isso é a medida de inflação preferida pelo Fed para acompanhar o mercado. Mas vem só ao fim de cada mês.

Até lá, muita água ainda vai rolar.

intacto ibovespa — Foto: Imagem gerada por IA
intacto ibovespa — Foto: Imagem gerada por IA



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