Câmbio

Fiquem de olhos bem abertos com a China | Colunas de Alexandre Espirito Santo


Na música “Not Enough”, Van Halen executa um dos seus mais primorosos solos de guitarra. Eddie nos deixou em 2020 e ficamos órfãos de um virtuose desse instrumento. Embora sua banda não fosse propriamente de “heavy metal”, onde a maioria dos guitarristas famosos toca, ele foi um ícone de sua geração, gravando, inclusive, com Michael Jackson, em “Beat It”.

O trabalho dos profissionais que têm, por ofício, formular cenários nunca é, como na música, o suficiente. Sempre tentamos antecipar tendências, procurando distorções de mercado ou, principalmente, problemas macroeconômicos estruturais, que possam afetar o comportamento dos ativos.

Poderia trazer no texto de hoje minha visão sobre a decisão “dividida” do Copom de quarta-feira. Penso, contudo, que muitos colegas já falaram e seria redundante. Assim, vou abordar um tema que comentei com meus alunos recentemente, algo que vem me incomodando há algum tempo e que seria de bom tom que os investidores começassem a colocar no radar: o comportamento da moeda chinesa.

Para iniciar, elaborei o quadro abaixo, que mostra a desvalorização da moeda de alguns países pares, que poderíamos comparar com o gigante asiático.

Desvalorização da moeda de alguns países pares,

Moeda País % Desvalorização
Yuan China 14
Real Brasil 56
Iene Japão 45
Rublo Rússia 60
Rupia Índia 28
Período 2018 até abril de 2024 – Investing

Como se constata na tabela, todas as moedas selecionadas apresentaram fortes perdas frente ao dólar americano, no período compreendido entre janeiro de 2018 e abril de 2024, com exceção do Yuan chinês. Escolhi esse período pois alcança desde pouco antes da pandemia de Covid, passa por ela e vem até o presente.

Em inúmeros momentos da história vimos ocorrer as chamadas “desvalorizações competitivas”, ou “guerra cambial”, quando países, sobretudo emergentes, deixam suas moedas perderem valor (intencionalmente) para melhorar a competitividade de seus produtos no mercado internacional em relação a outros, tornando a balança de comércio exterior mais saudável. Lembremo-nos que a economia chinesa é fortemente dependente de suas exportações e, em alguns momentos, exporta inflação/deflação.

É claro que alguns podem argumentar que é preciso considerar outras variáveis, sob a ótica dos preços relativos e da paridade de poder de compra. Se pegarmos o famoso índice Big Mac, da revista The Economist, em dezembro de 2023 o dólar estava 64% sobrevalorizado em relação ao Yuan, enquanto, em dezembro de 2017, a sobrevalorização era de 45%.

O fato é que o banco central chinês vem “administrando” o Renminbi há muitos anos. As razões para tal atuação são diversas e dariam um artigo inteiro. O objetivo do texto, contudo, é alertar para a insustentabilidade, a médio prazo, da permanência dessa postura, sobretudo em caso de vitória de Donald Trump nas eleições americanas.

O que quero dizer é que se o republicano vencer o pleito, com o muito provável retorno da imposição de elevadas tarifas sobre produtos exportáveis chineses, será inevitável uma flutuação maior da taxa de câmbio, para ajustar as distorções em tela, com impactos deletérios sobre a economia e inflação globais.

Considero este assunto da maior gravidade. Uma desvalorização acentuada do Yuan cairá como uma bomba nos mercados financeiros e na economia de países como o nosso, que não está bem estruturado em termos fiscais e com incertezas sobre a condução da política monetária, conforme a reunião de quarta-feira sugeriu. Sem âncoras fiscais e monetárias vamos ressuscitar a âncora cambial lá de trás?

Por fim, o movimento dos últimos meses, chamado de “anything but China”, parece estar perdendo força. Qualquer coisa exceto China foi um dos motivos do desinteresse, por exemplo, na bolsa chinesa, que de fevereiro de 2021 até agora caiu 15%. Sendo assim, fiquemos de olho! Virá algo em breve de lá e pode ser “heavy”.

Alexandre Espirito Santo, Economista-Chefe da Way Investimentos e prof. IBMEC-RJ

Alexandre Espirito Santo — Foto: Arte sobre foto de Divulgação
Alexandre Espirito Santo — Foto: Arte sobre foto de Divulgação



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