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Estresse em juros dos EUA faz mercado rever apostas para Selic | Moedas e Juros


O estresse observado nas taxas dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos (Treasuries) e a relativa piora nas perspectivas fiscais domésticas dispararam uma forte reavaliação entre operadores de mercado acerca da trajetória dos juros no Brasil. Em cerca de dois meses, as estimativas para a Selic ao fim do ciclo de afrouxamento monetário saltaram aproximadamente dois pontos percentuais, de 8,75% para 10,75%, antes de fechar a sexta-feira entre os 10,25% e os 10,5%.

Ainda que o movimento brusco faça gestores enxergarem uma melhora importante na relação entre risco e retorno no mercado local, o aumento de apostas construtivas em Brasil ainda segue tímido, principalmente diante da falta de clareza sobre a trajetória dos juros longos nos EUA.

  • Confira os destaques do Boletim Focus desta segunda-feira (9)

Em agosto, o Banco Central (BC) surpreendeu parte do mercado ao iniciar seu ciclo de afrouxamento monetário com um corte de 0,5 ponto percentual. Ainda que a comunicação da autoridade monetária, já naquela altura, indicasse que a barra para a aceleração do ritmo de corte era elevada, a melhora na inflação corrente no cenário doméstico deu força às apostas de que o Copom iria, eventualmente, cortar os juros de maneira mais intensa.

O problema é que, ao mesmo tempo em que fatores técnicos e desequilíbrios entre oferta e demanda por Treasuries passaram a pressionar os juros de longo prazo, a atividade econômica dos EUA seguiu dando sinais de que se mantém bastante robusta. Tudo isso enquanto os membros do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) continuam emitindo sinais bastante conservadores para a condução da política monetária. Nesse contexto, do início de agosto para cá, a taxa da T-note de dez anos saltou de aproximadamente 4% para os maiores níveis desde 2007, aos 4,80%.

Mais uma evidência da força da economia americana veio na sexta-feira, com os dados do relatório do mercado de trabalho (“payroll”) de setembro muito acima das estimativas de consenso.

O rápido movimento dos juros longos nos EUA pegou parte do mercado local no contrapé e, nas últimas semanas, a dinâmica observada nos juros futuros foi a de encerramento forçado (“stop”) das posições que apostavam na aceleração dos cortes da Selic pelo BC. O movimento técnico agravou a pressão externa e levou as taxas dos Depósitos Interfinanceiros (DIs) para além dos 11% ao longo de toda a estrutura da curva na semana passada.

“Não foi um processo inteiramente racional. Uma parte do movimento tem a ver com o técnico do mercado, já que essa alta rápida forçou stops. Em geral, quando isso acontece, o mercado demora um tempo para normalizar, já que muita gente fica ‘machucada’, e quem não se machucou fica com medo de voltar para as posições, já que não sabe se o técnico do mercado já está mais ‘limpo’ ou não”, afirma Marcos Mollica, gestor do fundo Opportunity Total.

Dada a precificação de Selic ao fim do ciclo já bastante elevada pelo mercado, o gestor vê como atrativo o ponto de entrada para a montagem de posições aplicadas (que apostam na queda dos juros). No entanto, à medida que o início do estresse do mercado de juros se deu no exterior, é necessário também algum gatilho externo para que haja convicção para o aumento das apostas positivas em juros e bolsa no Brasil.

“O dado do payroll inviabiliza pensar em mais alocação em Brasil, seja em juros ou bolsa. Precisamos de mais visibilidade sobre o fim do ciclo de aperto americano, e o número do mercado de trabalho não ajuda nessa direção”, diz.

Nesse contexto internacional de aversão a risco, o mercado tem pedido prêmios maiores nos juros. Uma evidência desse cenário é a ampla divergência entre a precificação da Selic no fim do ciclo feita pelos economistas, que está em 9% no boletim Focus, e perto de 10,5% nos preços de mercado.

O economista Álvaro Frasson, do BTG Pactual, acredita que o momento de elevação nas taxas é propício para investidores garantirem retornos mais elevados por um bom período. A instituição tem visão otimista para pré-fixados com prazo médio de 3,5 anos e para títulos atrelados à inflação com duração média de nove anos.

“São níveis de juro real e nominal no Brasil muito elevados. É claro que há um ambiente de Treasuries que acaba levando uma parte do fluxo para os Estados Unidos, mas a visão da casa para o exterior é que não há uma mudança estrutural no mercado de juros americano. Não é que a taxa de dez anos vai voltar para 1,5%, mas parece que o ciclo de aperto monetário está muito perto do fim. Em algum momento, vamos ter a mudança da discussão para quando e quanto os juros vão ser cortados, e isso deve impactar os preços dos Treasuries”, afirma o economista.

“Temos uma recomendação de exposição ‘overweight’ [acima da média] em renda fixa com prazo médio de sete anos nos Estados Unidos. Se o que acreditamos é verdade no exterior, isso acaba desaguando na nossa estratégia para o mercado local”, afirma.

Frasson avalia que, entre a precificação do Focus de 9% e os preços de mercado, de 10,75% para o fim de ciclo da Selic, o correto deve estar no meio do caminho. “Achamos que o Focus está muito otimista e que o mercado está cobrando muito prêmio. Continuamos com 9,5%. Achamos que o que pode mudar é o ritmo dos cortes de juros, e podemos chegar ao nível de 9,5% um pouco mais tarde.”

Segundo o sócio e gestor da Novus Capital, Luiz Eduardo Portella, o mercado não funciona bem com incertezas e ainda é preciso saber onde os juros longos nos Estados Unidos vão encontrar um novo patamar de equilíbrio. “Se o juro de dez anos mudar de patamar e ficar entre 4,5% e 5%, o mercado consegue fazer a conta e assimilar. Mas, na nossa opinião, a precificação de Selic onde bateu, próximo a 11%, vale a pena aplicar”, afirma.

Portella aponta que as coletas de inflação da gestora estão exibindo números bastante positivos e a queda da gasolina nos Estados Unidos pode, eventualmente, abrir espaço para a Petrobras reduzir os preços no Brasil em um horizonte de dois meses.

“Começa a virar assimetria para esse ciclo voltar para perto dos 9,5% ou 10%. Quando a precificação de mercado já estava em 9,5%, você só ia ganhar dinheiro se o Banco Central resolvesse acelerar o ritmo dos cortes. Agora, com a Selic próxima a 11%, estamos voltando a aplicar, mas ainda de forma lenta, devido ao cenário da economia americana”, afirma Portella.

Sócio e gestor de renda fixa da Oby Capital, Camilo Cavalcanti veio reduzindo as posições tomadas (que ganham com a alta das taxas) com a alta recente dos juros e optou por encerrá-las na semana passada. Segundo ele, com uma desaceleração da economia local e global aparentemente “contratada”, não haveria motivos para o Banco Central reduzir o ritmo dos cortes de juros tão cedo.

“A curva chegou a precificar uma redução no ritmo de afrouxamento para 0,25 ponto já em dezembro. O mercado vê uma Selic terminal em torno de 10,75%, e seguimos achando que tem espaço para ir abaixo disso”, afirma.

Sobre o posicionamento técnico do mercado, Cavalcanti afirma que após o payroll houve nova rodada de stops nos juros nominais, o que deixou o componente técnico ainda mais limpo. “A assimetria para ficar aplicado nesses níveis vai ficando bem interessante”, avalia o gestor, que aponta preferência pelos vértices da curva de até dois anos.

Dinheiro — Foto: Getty Images
Dinheiro — Foto: Getty Images



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