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Está certo disso? Posso perguntar? | Colunas de Alexandre Espirito Santo


No final de 1999, o apresentador Silvio Santos trouxe, para a grade do seu canal de TV, o programa “Show do Milhão”. A atração consistia em perguntas dos mais diversos assuntos para um participante, que, se as respondesse acertadamente, receberia o prêmio de R$ 1 milhão. Silvio Santos, antes de verificar se cada resposta estava correta, perguntava ao candidato: “Está certo disso? Posso perguntar?”.

O interessante do “Show do Milhão” é que havia algumas ajudas. Uma delas ficou famosa, quando o concorrente pedia auxílio a um grupo de jovens universitários que participavam do programa e tentavam ajudá-lo com seus conhecimentos. Só que, às vezes, não ajudavam corretamente!

Neste momento, gostaria de dar uma de Sílvio. Recentemente, na reunião dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) na África, os países do bloco, com a chancela do Brasil, aceitaram o ingresso de novos seis participantes, sendo algumas ditaduras, caso de Irã e Arábia Saudita, além de o primeiro ter histórico de desavenças com o Ocidente. Estamos certos disso? Posso perguntar?

Existem algumas incoerências associadas à chegada desses novos “parceiros”. O governo Lula foi eleito defendendo uma “pegada” mais verde, com discurso de preservação de meio ambiente e energia limpa, o que contrasta com esses dois países acima, que são grandes produtores de petróleo. Estamos certos disso? Posso perguntar?

Outra incoerência tem a ver com os direitos das mulheres. Ano passado, quando da Copa do Mundo de Futebol masculino, no Qatar, discutiu-se bastante sobre a questão de tratamento não-igualitário às mulheres, e o governo Lula trouxe essa agenda para a campanha eleitoral. Podemos nos associar a países com essas características? Estamos certos disso? Posso perguntar?

Entendo que o desejo de várias nações de ingressarem no bloco faça sentido econômico, pois já era um grupo de proporções superlativas. Agora, com 11 integrantes, teremos quase metade da população global e pouco mais de um terço do PIB do planeta. É uma força, indiscutivelmente. Mas, será que é adequado entrar nessa onda da China de ser um antagonista ao G7? Estamos certos disso? Posso perguntar?

Outro aspecto muitíssimo importante tem a ver com nossos vizinhos argentinos. O país é um dos novos membros, sendo o governo brasileiro um dos principais fiadores dessa inclusão. A situação lá é grave, com várias empresas brasileiras deixando o país (Banco Itaú, por exemplo). E, como todos sabem, o candidato que venceu as eleições primárias no país, Javier Milei, já disse que não quer conversa, nem negócios, com a China. Se ele for o vitorioso nas eleições de outubro, como ficará essa situação? Mal entrou, vai sair? Estamos certos disso? Posso perguntar?

Temo que a inclusão desses países pode não ser benéfica para o grupo, com exceção da China. É claro que o contexto dessa decisão tem um viés maior, com objetivos mais ambiciosos dentro da geopolítica global, de inserir países como Brasil e Índia no Conselho de Segurança permanente da ONU. Todavia, já pararam para pensar que, se os dois tiverem assento nesse fórum, quatro dos BRICS ficariam com ultra poderes? Os países desenvolvidos aceitarão passivamente? Estamos certos disso? Posso perguntar?

Não menos importante, há um tema que sempre está no radar quando a conversa é BRICS: a criação de uma moeda única ou uso de moedas nacionais para o comércio. Penso, contudo, que escantear o dólar como meio de troca internacional não terá aceitação generalizada, inclusive por parte dos próprios membros, o que reduz a eficácia da ideia. Ademais, os EUA aquiescerão com essa proposta? Não sei se é um objetivo viável, ao menos no curto prazo. Assim, estamos certos disso? Posso perguntar?

O fato é que o acrônimo BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) foi cunhado pelo economista Jim O´Neill no início do século, para sugerir que uma nova força global se avizinhava. Logo depois foi adicionado o “S”, da África do Sul. Li uma entrevista recente do próprio O’Neill, em que está descrente com a nova composição. Já era complicado lá atrás, pois China e Índia tiveram desavenças nas suas fronteiras e, neste momento, temos todas essas questões que elenquei.

Por fim, semana passada perguntei aos “meus universitários” o que eles pensavam sobre o BRICS+6. As respostas foram as mais variadas. Ou seja, não houve consenso. Se estivessem no programa, não poderiam ajudar.

Obs: Pesa-me não discutir no artigo de hoje a proposta de orçamento de 2024, entregue pelo governo ao Congresso. Ainda não tive tempo para avaliar os quase R$ 170 bilhões de novas fontes de receitas nele incluídos. Estamos certos disso? Em outro texto escreverei sobre a delicada questão fiscal que teremos pela frente e voltou a inquietar os mercados.

Alexandre Espirito Santo, Economista-Chefe da Órama e Prof. IBMEC-RJ

Alexandre Espirito Santo — Foto: Arte sobre foto de Divulgação
Alexandre Espirito Santo — Foto: Arte sobre foto de Divulgação



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