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Economistas apontam que mudança da meta de déficit fiscal pode ser pior que não cumpri-la | Brasil e Política


O arcabouço fiscal apresentado pelo governo federal no primeiro semestre e aprovado pelo Congresso Nacional estabelece meta de resultado primário zerado para o ano que vem, com intervalo de tolerância de 0,25 ponto percentual (p.p.) sobre o PIB para cima ou para baixo.

Na avaliação de Roberto Secemski, economista-chefe para Brasil do Barclays, a mudança da meta de resultado primário para 2024 por si só já não é desejada, porque afeta a credibilidade do novo arcabouço fiscal, mas a introdução da discussão ainda mais cedo do que se poderia esperar é contraproducente para o próprio governo, ao desencorajar o Congresso a discutir e aprovar mais medidas de aumento da receita e, ainda assim, não garantir que outro contingenciamento não seja necessário depois, dadas as incertezas atuais em relação à arrecadação.

O “caminho mais direto” para uma mudança na meta, diz Secemski, de fato é no momento da feitura da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), porque o Orçamento para o próximo ano já é preparado com base nisso. Outra possibilidade seria o governo pedir ao Congresso, em março do ano que vem, para alterar a meta da LDO após realizar a primeira avaliação bimestral. Seria naquele momento que, de acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), um contingenciamento seria necessário se as receitas não estiverem evoluindo conforme o esperado para o cumprimento da meta aprovada.

A questão de mudar a meta agora, no entanto, é que isso “atravessa” a agenda de Haddad de buscar aumentar as receitas tributárias, observa Secemski. “O próprio Congresso tem menos incentivo para decidir sobre medidas que ainda estão sendo discutidas. Uma mudança na meta na LDO nas próximas semanas desmobiliza os esforços de aumentar as receitas”, afirma.

Para o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, o debate sobre a alteração da meta de déficit fiscal de 2024 de zero para 0,25% ou 0,5% gera uma tendência negativa para o resultado primário e é consequência de um desenho frágil do arcabouço fiscal que substituiu o teto de gastos.

Segundo Vale, os agentes econômicos já tinham a expectativa de que o déficit primário no ano que vem “provavelmente vai ser até maior do que esse intervalo de 0,25% e 0,5% diante das pressões dos gastos programados e uma desaceleração de receita com uma projeção de crescimento menor para 2024. “Já estava na conta de todo mundo. Nós [da MB Associados] esperamos déficit de 0,7% [no ano que vem] e tem gente no mercado com expectativa bem pior”, diz.

Vale, no entanto, ressalta que não estava previsto que o governo já fosse “jogar a toalha” desde agora. “Havia a expectativa de que o [ministro da Fazenda, Fernando] Haddad fizesse um esforço máximo. Mesmo sabendo que não iria entregar o déficit zero, mas que tentaria para chegar o mais próximo possível”.

Uma eventual mudança da meta de déficit primário para o próximo ano de zero para 0,25% a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) ainda não é o cenário mais provável, segundo o economista-chefe da Warren Rena, Felipe Salto.

“Entendo que não há definição sobre a meta fiscal até o momento. O melhor para o equilíbrio fiscal seria a manutenção da meta e, se necessário, o acionamento dos mecanismos do arcabouço fiscal, isto é, da Lei Complementar nº 200, como tenho dito. A meu ver, o cenário mais provável continua a ser de manutenção da meta anual de 2024”, disse Salto.

A Warren Rena projeta déficit de 0,74% do PIB, segundo um relatório deles divulgado após a fala de Lula. Eles dizem nunca ter acreditado no cumprimento dessa meta pelo governo.

O efeito de uma mudança em relação à meta fiscal pode ser avaliado de duas formas, disse Silvio Campos Neto, economista sênior e sócio da Tendências Consultoria. Se por um lado tem efeito expansionista, no sentido que uma meta um pouco mais frouxa abre espaço para uma política em uma linha mais “estimulativa” (com mais gastos do governo e estímulo à demanda), por outro tem implicações adversas, como elevar a percepção de risco de mercado.

“O estímulo à demanda gera resultado econômico positivo principalmente no curto prazo”, disse. “Mas como a situação fiscal do Brasil já é vista como frágil, esse movimento [mudança de meta] tem implicações adversas, como elevar a percepção de risco pressionando ativos brasileiros, em especial as taxas de juros”.

Também eleva insegurança no ambiente da economia, o que pode prejudicar decisões de empresas, sobretudo de investimentos, segundo o economista.

Para Campos Neto, ainda que num primeiro momento um efeito expansionista possa trazer algum “pequeno impulso econômico”, a tendência é que, com o passar do tempo, um ambiente mais incerto do ponto de vista fiscal com efeitos limitantes sobre a taxa de juros acabe causando um dano maior.

Na XP, o economista Tiago Sbardelotto defende que o ideal seria que o governo não mudasse a meta, mas prosseguisse “com essa agenda de fazer o ajuste fiscal, aprovando as medidas necessárias, fazendo acordo com o Congresso e, no ano que vem, diante da necessidade de atingir a meta, fizesse o contingenciamento de acordo com a regra.”

“Manter a meta traria os incentivos corretos para correr atrás das receitas agora, levando o Congresso a colaborar com isso, e faria com que o arcabouço fiscal funcionasse no próximo ano, promovendo os ajustes”, afirma Sbardelotto.

A XP projeta um déficit de R$ 97 bilhões do governo central no ano que vem. Se a meta for alterada para um déficit de 0,5% do PIB, esse rombo pode atingir até R$ 84 bilhões (0,75% do PIB), já que existe uma banda de tolerância para a meta de mais 0,25 ponto percentual. Assim, o contingenciamento necessário cairia do limite máximo de 25% dos gastos discricionários (não obrigatórios), ou R$ 53 bilhões em 2024, para R$ 14 bilhões, calcula Sbardelotto.

“É um cenário muito mais tranquilo para execução, mas que retira os incentivos para correr atrás de receitas. A mudança da meta não é algo positivo”, afirma. “Tínhamos no nosso cenário que o governo faria isso por causa da restrição política forte, mas achávamos que seria em outro momento. A discussão acabou sendo antecipada”, diz.

Com informações do Valor PRO, serviço de notícia em tempo real do Valor Econômico.

 — Foto: Pixabay
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