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Com Selic em queda, empréstimos baratearam? Não nas linhas mais caras… | Crédito


A Selic entrou em trajetória de queda em agosto do ano passado e, desde então, saiu de 13,75% para 10,75%. E, como bem se sabe, quando cai a taxa básica de juros, os empréstimos e financiamentos tendem a ficar mais baratos. Porém, três das oito principais linhas de crédito pessoal ficaram mais caras de 2022 pra cá. E o pior: uma delas está na lista dos empréstimos mais caros do mercado.

Segundo um levantamento feito pelo Valor Data com dados do Banco Central, as taxas de juros médias do crédito pessoal, do consignado do setor privado e do cartão de crédito parcelado ficaram mais caras em março de 2024 (quando a Selic chegou a 10,75% ao ano) do que eram em agosto de 2022 (com a taxa básica a 13,75% ao ano).

É bem verdade que, entre esses três tipos de empréstimos, tanto o crédito pessoal quanto o consignado do setor privado tiveram variações relativamente pequenas em comparação aos juros cobrados em 2023. Mesmo assim, com queda de 3 pontos percentuais na Selic, esperava-se, pelo menos, uma manutenção das taxas e não um encarecimento.

O crédito pessoal não consignado, por exemplo, tinha taxas médias de 61,59% em agosto de 2023. Em março de 2024, essas taxas subiram para 65,73%. Já o consignado do setor privado saiu de 35,60% para 36,23% na mesma base de comparação.

O caso do cartão de crédito parcelado chama ainda mais atenção. Isso porque os juros médios cobrados saíram de 167,05% para 192,62%. E, como bem se sabe, essa é uma das linhas mais caras do mercado. Outra linha igualmente onerosa, o cheque especial, teve uma variação bem pequena na comparação. Em agosto de 2023, as taxas médias eram de 149,59%. Já em março de 2024, elas caíram para 148,76%, o que representa menos de um ponto percentual de queda.

E, afinal, por que essas taxas não caíram?

Segundo especialistas, além da Selic, existem outros fatores que ajudam a compor a taxa cobrada pelos bancos e instituições financeiras em cada uma das linhas de crédito. Um deles (e talvez um dos mais importantes) é o risco de crédito. A famosa “inadimplência“, que nada mais é do que a quantidade de pessoas que deixam de pagar determinadas contas.

Nos últimos dois, três anos, tem aumentado a quantidade de pessoas inadimplentes. Ou seja, que estão com dívidas e que estão atrasando o pagamento delas. Isso sinaliza para os bancos que as pessoas estão com dificuldade de pagamento, seja porque perderam renda, seja pelos juros altos e etc. E se você não paga o serviço de dívida, a receita da instituição financeira cai e uma forma de compor isso seria aumentando a taxa de juros. Esse aumento da inadimplência faz com que bancos cobrem taxas mais altas, especialmente para tomadores com maior risco de crédito”, explica o professor Henrique Castro, pesquisador da escola de economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV).

De fato, quando se avalia a taxa de inadimplência de algumas linhas é visível um aumento. Um levantamento do Valor Data com dados do Banco Central mostra que, na comparação com maio de 2023 (quando a Selic era de 13,75% ao ano), duas das linhas que tiveram aumento de juros também tiveram alta na inadimplência.

Foi o caso do parcelado do cartão de crédito, por exemplo. Nesse tipo de crédito, a inadimplência era de 8,7% no ano passado e passou para 9,7% neste ano. O mesmo aconteceu com o crédito pessoal do setor privado, que tinha taxa de inadimplência de 4,6% em 2023 e de 7,1% em 2024.

Por outro lado, outras linhas tiveram uma queda na inadimplência. O próprio crédito pessoal não consignado, que também registrou um aumento na taxa de juros, teve uma queda na inadimplência, que saiu de 7,7% em 2023 para 5,9% em 2024.

Para Luiz Fernando Castelli, gerente de assuntos econômicos da Febraban (federação que representa os bancos brasileiros), porém, essa é uma linha (o crédito pessoal não consignado) que pode ter uma queda nos juros devido a mudanças estruturais que vêm acontecendo no segmento. Alguns exemplos disso são algumas modalidades mais novas que têm ganhado força, como a antecipação do saque-aniversário do FGTS e os empréstimo que têm como garantia de aplicações financeiras, que entram nessa linha. Como são modelos que oferecem uma garantia, é possível que os juros diminuam.

Mas a Selic, a inadimplência e mudanças nas regras das linhas de crédito não são os únicos fatores que podem mexer com os juros cobrados em um determinado tipo de empréstimo.

A demanda pelo crédito também é capaz de aumentar (ou baixar) os juros cobrados. Segundo Castro, da FGV, se há muitos interessados em uma determinada linha, os bancos podem cobrar taxas mais altas, porque as pessoas estão interessadas em tomar aquele crédito.

Ainda que 2024 seja um ano de demanda menor do que a vista em 2022 ou 2021 (anos em que a pandemia ainda surtia efeito na vida financeira das pessoas, que precisam de um suporte maior), o especialista afirma que a procura por crédito, de um modo geral, não é baixa no Brasil. Especialmente tratando-se de linhas mais acessíveis e mais fáceis de serem conseguidas, como é o caso do cheque especial ou cartão de crédito, por exemplo.

É bem verdade que o mercado tem evoluído nesse sentido. Afinal, antes esse segmento era praticamente dominado por cinco grandes bancos (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Bradesco, Itaú e Santander) e agora novos entrantes vêm ganhando força (caso do Nubank, por exemplo). Ainda assim, as cinco principais instituições financeiras dominam boa parte do mercado de crédito. Segundo Castro, da FGV caso a competição fosse maior, essas taxas poderiam ficar menores.

“Temos, de fato, muitos bancos digitais novos que oferecem linhas, mas acho que nessa área de crédito as grandes instituições ainda concentram uma boa parte do crédito no Brasil. Por conta disso, esse cenário está equilibrado e ainda é muito favorável a essas grandes instituições”, afirma.

Ainda que o Banco Central tenha deixado em aberto o ritmo de cortes da Selic daqui em diante, na última ata do Copom a autoridade monetária reforçou que é provável que os juros continuem em queda. Assim sendo, é possível esperar também um reflexo disso mais forte nos empréstimos.

“Se a gente continuar no caminho de controle de inflação, que é a principal tarefa do Banco Central, e se ela [a inflação] se aproximar do centro ou ficar na faixa da meta, as taxas de juros vão cair. E isso trará um aquecimento maior da economia, melhora do nível de emprego e renda. Assim, a população terá maior controle sobre orçamento e isso terá um efeito sobre esses níveis de inadimplência que hoje ainda crescem”, afirma Castro, da FGV.

Questionados sobre o efeito de programas de renegociação de dívidas nos juros, os especialistas afirmam que as medidas são importantes, mas seus efeitos são limitados.

Segundo Castro, projetos como o Desenrola focam mais na limpeza do nome dos consumidores e, de fato, os ajudam a se livrarem de dívidas muito caras. Por outro lado, com isso, eles abrem precedentes para novas compras, até por ser uma forma de estimular a economia.

“Limpar o nome é uma etapa do que o cidadão precisa fazer pra ter uma boa saúde financeira. Mas a partir dali, ele precisa cuidar para o nome não voltar a ficar sujo. E aí precisa de um controle do seu orçamento e de suas dívidas”, diz. ”

Castelli, da Febraban, concorda. Para ele, projetos de renegociação promovem uma ajuda pontual, mas não necessariamente trazem efeitos estruturais na forma como as pessoas cuidam de suas finanças e tomam crédito.

“Acho que efeito sempre tem, positivo. O ‘Desenrola‘, por exemplo, acaba sendo um programa mais de ajudar momentaneamente. Mas do ponto de vista estrutural, não sei se gera melhora no mercado a ponto de ter taxas de juros mais baixas“, afirma.

Assim como Castro, ele acredita que o que pode proporcionar uma queda significativa dos juros cobrados nos empréstimos é uma melhora no ambiente econômico como um todo, além de mais educação financeira, que também ajudaria a diminuir a taxa de inadimplência e, consequentemente, o spread cobrado pelos bancos.

Para ter juros menores, precisamos de um ambiente estrutural melhor. Precisamos de garantias mais firmes, queda de tributação sobre o crédito, ou até mesmo uma melhora da educação financeira como um todo das pessoas”, conclui.

cartão de crédito — Foto: Getty Images
cartão de crédito — Foto: Getty Images



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