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O impacto das chuvas no Rio Grande do Sul na economia pode mudar o rumo da Selic? | Moedas e Juros


A maior tragédia climática do Rio Grande do Sul deve extrapolar o impacto sanitário e social na região e trazer consequências, num segundo momento, para a economia nacional. O estado é um dos principais produtores do setor agropecuário no Brasil, por isso a oferta de itens do dia a dia da mesa do brasileiro está em risco. E isso significa alimentos mais caros chegando às prateleiras dos supermercados por todo o país – se chegarem.

Os efeitos das chuvas torrenciais na produção gaúcha devem exercer pressões inflacionárias relevantes sobre o mercado, o que, em última instância, pode afetar até mesmo o destino da Selic (a taxa básica de juro) neste ano. Isto porque, caso os preços desses alimentos da cesta básica escalem, encarecendo a alimentação do brasileiro, o espaço para corte de juros fica ainda menor.

O foco dos economistas deve se voltar nos próximos meses aos desdobramentos do desastre sobre as culturas regionais para entender em que medida a escassez no sul pode contaminar a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Pela fórmula de reação da política monetária do Banco Central (BC), o IPCA mais alto reduz a margem que a autarquia tem para cortar a Selic neste ano.

Mas cabe uma série de ponderações nesse meio do caminho, inclusive sobre a perenidade e abrangência das consequências desse desastre na economia nacional – perguntas para as quais ninguém tem respostas assertivas ainda.

Mesmo assim, Alexandre Espirito Santo, economista-chefe da Way Investimentos e professor do Ibmec-RJ, ressalta que os efeitos da quebra da safra gaúcha não podem ser desprezados. O estado é responsável por 70% de toda a produção de arroz no país, é ainda um importante produtor de trigo e grande criador de frangos e suínos.

O risco de desabastecimento desses grãos e das carnes é alto, conforme mostrou ontem o último relatório da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), que estima um prejuízo superior a R$ 967 milhões à agricultura do Rio Grande do Sul.

“O Rio Grande do Sul tem uma participação relevante na economia, então esse desastre terá efeito sobre a inflação, sobre o PIB [Produto Interno Bruto] e sobre o fiscal, mesmo que ainda não seja possível precisar a magnitude desse impacto”, afirma Espírito Santo. “Acredito que o anúncio do Copom [Comitê de Política Monetária do BC] desta quarta não será afetado, porque está muito em cima para dimensionar esse quadro, mas com certeza seus desdobramentos serão discutidos.”

O economista-chefe da Way, que aposta no anúncio de um corte de 0,25 ponto percentual hoje na Selic, diz ainda não ter alterado suas projeções para a inflação ou para a taxa básica de juro no fim deste ano em razão da dificuldade de medir as consequências dessa tragédia. “Só que, em algum momento, certamente precisarei revisar meu cenário para a economia”, acrescenta.

Analistas do Goldman Sachs já esperam que a importância do estado na agricultura, em especial a do arroz, provoque revisões altistas no horizonte do mercado para o IPCA.

Beto Saadia, economista e diretor de investimentos da Nomos, acredita que algumas apostas já podem ser ventiladas, mesmo que sejam menos precisas neste momento.

“O mercado ainda está bastante perdido, mas já se fala em alta de 0,1 ponto percentual na inflação, ou seja, o IPCA sairia de uma taxa anualizada de 3,6% para 3,7% no fim de 2024.”

A Tenax Capital entende que a tragédia no Rio Grande do Sul pode fazer uma pressão breve de meio ponto sobre a inflação, mas que adiante será em grande parte dispersada. No fim deste ano, o estresse deste episódio trágico levaria o IPCA possivelmente a um nível 0,1 ponto percentual acima da projeção anterior da casa.

Antes, nós víamos a inflação anualizada no Brasil em 3,7% em dezembro e agora já estamos inclinados a um IPCA de 3,8% no ano, mas com mais volatilidade”, afirma a economista-chefe da gestora, Débora Nogueira.

Assumidamente mais pessimista que o mercado, Saadia já mudou seu horizonte para IPCA anualizado em 3,9% em dezembro, o que representa uma taxa 0,3 ponto percentual acima da média do mercado.

“A boa notícia no quesito de inflação é que, apesar da alta, trata-se de um tipo de tensão efêmera, que deve se dissipar logo que as cadeias de ofertas se regularizarem. Embora grande parte da colheita de arroz já tenha sido feita, o escoamento será prejudicado, com eventualmente muita mercadoria perdida”, pondera o diretor de investimentos da Nomos.

Para ele, existem outras fontes relevantes de pressão inflacionária que não apenas a quebra da produção gaúcha. O desabastecimento de materiais básicos, de bens de primeira necessidade, combustíveis e de energia no estado do Rio Grande do Sul devem reverberar “em outros bens da economia, por isso o impacto [dos desastres na economia nacional] que eu meço é mais pesado do que o resto do mercado espera hoje.”

Um segundo desdobramento econômico do desastre climático que assola o Rio Grande do Sul é o fiscal. “Essa preocupação já começou a transparecer, por isso na última segunda-feira o mercado brasileiro deu uma estressada e o movimento da nossa curva de juros futuros divergiu da curva de juros americana e outros pares”, diz Débora.

O orçamento federal de socorro ao estado, para o qual ainda não há estimativas, deve ser acompanhado de perto. “Entendemos que a destinação entre R$ 12 bilhões e R$ 15 bilhões para o Rio Grande do Sul este ano estão dentro de um cenário que não assustaria o mercado, porque são gastos já mais ou menos embutidos nesse horizonte [das contas públicas]”, avalia a economista-chefe da Tenax Capital.

A questão central para a gestora é no que esses aumentos de gastos podem respingar. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aventou ontem a possibilidade de o Brasil precisar importar arroz e feijão para garantir o abastecimento do mercado e controlar os preços desses alimentos, o que mais tarde se confirmou que de fato irá acontecer.

Todas essas questões em aberto impedem a mensuração mais exata desse impacto fiscal, por isso o mercado ainda não reflete tantos desses fatores em seu cenário para a Selic.

“Ainda não está definido que tipo de ajuda o governo federal dará para a reconstrução de cidades e infraestrutura ou até que ponto. Acredito que os primeiros valores que devem ser liberados para o Rio Grande do Sul devem ser da ordem de R$ 1 bilhão, mas isso pode ser pela transferência direta de recursos ou, eventualmente, por políticas de isenção de impostos”, considera o diretor da Nomos.

Para Espírito Santo, o cerne da discussão é anterior às cifras que serão despendidas no socorro à população.

“Há um efeito mais preocupante sobre a elevação dos gastos federais que é a abertura de precedentes. O governo do Brasil tem um histórico de abrir uma exceção que depois gera outra exceção e isso vai se ‘pendurando’ nas contas públicas”, pondera o economista.

Sem que o socorro emergencial ao estado se transforme numa espiral de novos gastos, portanto, esse impacto fiscal seria limitado, na visão do professor do Ibmec-RJ, com menor efeito sobre a economia.

“Como se trata de um evento emergencial e, assim, pontual, ainda que possa deteriorar o quadro fiscal num momento, não acredito que essas medidas possam gerar mudanças na política monetária por um eventual estresse de gastos”, reflete João Piccioni, gestor de fundos da Empiricus Gestão.

Nenhum dos especialistas ouvidos pelo Valor Investe espera que o desastre climático no Rio Grande do Sul afete diretamente a decisão do BC hoje ou que mude de forma relevante o horizonte da autoridade monetária.

Saadia até acredita que o Copom vá fazer menções ao desastre em seus próximos comunicados e atas de reunião, “mas, para a reunião de hoje, não vejo alteração na decisão sobre os juros”, defende.

Esse horizonte relevante do BC, de um ano e meio a dois anos, suaviza o impacto inflacionário, por isso a autoridade tem tempo para esperar pelos próximos índices de inflação e avaliar a “contaminação” do mercado.

“Apesar de um aumento inflacionário que, de fato, vai acontecer pelo desabastecimento de bens, esses eventos geralmente se corrigem no prazo de menos de um ano, a partir do momento que as cadeias de abastecimento e de oferta se normalizam”, conclui.

Piccioni refuta qualquer impacto das chuvas no Rio Grande do Sul nas próximas decisões do Copom. O gestor de fundos da Empiricus, assim como a maior parte do mercado brasileiro, espera que o BC anuncie corte de 0,25 ponto na Selic hoje, de acordo com o Termômetro do Copom do Valor Investe, que acompanha as probabilidades e apostas do mercado para os juros.

“Na verdade, o cenário do Copom para os juros está muito mais atrelado à política monetária do Federal Reserve [Fed, banco central dos Estados Unidos], que decidiu segurar suas taxas em níveis elevados por mais tempo. Esse cenário afeta a decisão para a Selic por conta da dinâmica cambial. A ideia [do BC] é não deixar o real se desvalorizar muito [ante o dólar], porque isso, sim, teria efeitos inflacionários mais perenes e devastadores na nossa economia”, conclui.

Seta direção rota dúvida selic — Foto: Pexels via Pixabay
Seta direção rota dúvida selic — Foto: Pexels via Pixabay



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