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‘As empresas não fazem nada em ESG’ | Colunas de Sonia Consiglio


“ESG é uma agenda paralela nas empresas, não está na estratégia”, “As empresas terceirizam tudo e dizem que não têm nada a ver com isso”, “Os líderes não têm repertório nessa área”, “Sustentabilidade deveria permear todos os níveis das empresas, mas não é isso o que acontece”. Essas são frases reais, que ouvi em aulas, palestras e reuniões.

Sim, em algumas empresas, ESG ainda é pauta paralela. Sim, algumas empresas não assumiram completamente as responsabilidades junto à sua cadeia. Sim, há alguns líderes bem distantes do entendimento do valor dessa agenda. Sim, em algumas empresas a gestão ESG está restrita a poucos departamentos. Notaram o que coloquei em destaque? O pronome indefinido “alguns/algumas”. Segundo a gramática, esses pronomes se referem à terceira pessoa do discurso de forma vaga, imprecisa e genérica.

É exatamente isso o que penso quando ouço essas frases. Com tom muito assertivo, são, no entanto, vagas, imprecisas e genéricas. E, pior: jogam contra o esforço que inúmeros profissionais fazem há décadas pela sustentabilidade empresarial. Sempre atuei no setor privado. Sou ferrenha defensora dele porque comprovo, diariamente, seu envolvimento, empenho, dedicação, ação e resultados concretos em ESG. São todas que agem dessa maneira? Não, ainda não, claro. Como disse na abertura do texto, há diferentes graus de maturidade, compreensão do tema, aspectos culturais — e é fundamental entender isso para a boa continuidade de qualquer debate.

O que noto nas pessoas que sentenciam negativamente as empresas é a pressa por concluir algo. Talvez isso venha da complexidade da realidade e de certa impotência que às vezes sentimos em lidar com ela. Fomos educados para sempre ter opinião e resolver problemas. Não funciona assim com ESG (na verdade, com nada na vida, né?…). Estamos passando por uma transformação de modelo de mundo. Premissas que adotávamos há anos perderam a validade. O jeito como nos comportávamos e consumíamos hoje é motivo – justo – de críticas e cancelamentos. Estamos mudando, aqui e agora e, por isso, o que menos conseguimos ter é certeza. Sim, podemos assumir contextos, fazer boas análises e inferir possibilidades, mas tomando o cuidado de deixar uma porta aberta para o “talvez”.

A meu ver, o que diferencia um profissional de outro é a “capacidade de ler cenários”. Essa habilidade nos ajuda a entender para onde o mundo está indo e como trafegar por avenidas incertas. Há vários fatos e dados que atestam o comprometimento do setor empresarial brasileiro com a temática ESG, basta estar atento a eles.

O que dizer quando o consagrado anuário Valor 1000 inclui critérios sociais, ambientais e de governança na seleção das melhores empresas do Brasil? Trata-se de um sinal inequívoco de que essa agenda agrega valor aos negócios (sem pedir perdão pelo perfeito trocadilho). Em outras palavras, para ser considerada campeã, não basta à candidata performar bem em receitas, despesas, margens, dívidas. Ela tem que ser também um exemplo em estratégias e práticas de sustentabilidade. Sou membro do Comitê ESG/Valor/FGVcef que avalia as empresas e posso afirmar que a cada ano essa tarefa fica mais difícil dado o elevado nível. Falei a respeito no artigo “ESG no Valor 1000. O que isso significa?”.

Vamos agora mergulhar em alguns dados nas frentes de transparência, estratégia de negócios, compromissos públicos e governança:

  • 69% dos CEOs afirmam incorporar totalmente ESG em seus negócios como meio de gerar valor (“KPMG 2023 CEO Outlook”, 9ª edição, 2023).
  • 95% das empresas do Ibovespa são signatárias do Pacto Global da ONU e 81% reportam seus dados de emissões utilizando o GHG Protocol (“ESG no Ibovespa”, 2023, PwC Brasil).
  • 76% das empresas listadas na B3 divulgam informações ESG e 57% delas contam com auditoria ou revisão por entidade independente (“A Governança Corporativa e o Mercado de Capitais”, 18ª edição, 2023/2024. KPMG e ACI Institute Brasil).
  • Aumentou de 20% para 49%, de 2019 a 2023, o percentual de conselheiros de administração que afirmam que todo o Conselho supervisiona questões ESG (“Sustainability in the spotlight: has ESG lost momentum in the boardroom?”, 2023, Diligent Institute e SpencerStuart).
  • Vem aumentando ano a ano o número de Comitês ESG de assessoramento ao Conselho de Administração: 2021 = 37; 2022 = 44; 2023 = 79 (“A Governança Corporativa e o Mercado de Capitais”, 18ª edição, 2023/2024. KPMG e ACI Institute Brasil).
  • MPMEs: 66% das micro, pequenas e médias empresas entrevistadas atuam no pilar “Governança”, 52% em “Responsabilidade Social” e 50% têm atividades de “Sustentabilidade e Responsabilidade Ambiental”. (“Pesquisa Serasa Experian”, dezembro de 2023, com 528 MPMEs).

Olhando adiante, me anima ver a visão dos entrevistados da recém-lançada pesquisa “Panorama ESG 2024” , da Amcham e Humanizadas, sobre os fatores críticos de sucesso para o avanço dessa pauta:

  1. 56%: Capacitação e desenvolvimento de lideranças e colaboradores (28% em 2023)
  2. 48%: Trabalhar a agenda ESG dentro da estratégia de negócio (23% em 2023)
  3. 47%: Ter um orçamento dedicado para iniciativas ESG (25% em 2023)
  4. 43%: Desenvolver uma cultura de sustentabilidade realmente forte (28% em 2023)
  5. 43%: Promover ações de conscientização e mobilização (28% em 2023)

São só flores nessa jornada? Claro que não. Mas ela fica mais prazerosa se conseguirmos olhar o lado cheio do copo. Agora, para ser coerente com o propósito desse artigo, essa abordagem positiva é apenas a minha opção. A sua pode ser diferente, e tudo bem com isso. O importante, no entanto, é que a gente fuja à tentação – absolutamente humana – das frases feitas e verdades absolutas, combinado?

Sonia Consiglio é SDG Pioneer pelo Pacto Global da ONU e especialista em Sustentabilidade.

Sonia Consiglio — Foto: Arte sobre foto de divulgação
Sonia Consiglio — Foto: Arte sobre foto de divulgação



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