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Tesouro Direto: ainda vale investir nos títulos de inflação após recuo das taxas? | Tesouro Direto


As taxas prometidas pelos títulos do Tesouro Direto, que alcançaram máximas em um ano, perderam tração nos últimos dias, em meio ao alívio nos números de criação de emprego nos Estados Unidos. Mesmo com a redução, no entanto, os retornos oferecidos pelos papéis atrelados à inflação seguem em patamares elevados e especialistas continuam com uma visão construtiva para os investimentos nesses títulos.

A última vez em que o Tesouro IPCA+ com vencimento em 2045 ofereceu uma taxa que beirou os 6,22% acima da inflação foi em abril de 2023. No caso do título com prazo em 2035, o rendimento de 6,29% mais inflação não era visto desde março do ano passado.

Olhando pelo histórico de inflação elevada no Brasil, superior, inclusive, ao nível de preços de outros países emergentes, os especialistas defendem que é sempre aconselhável manter ativos atrelados ao IPCA na carteira de investimentos.

“O ‘carrego’ da inflação por si só é atrativo e, somado a um governo que, historicamente, paga juros reais também acima da média dos emergentes, o investidor acaba se aproveitando de uma combinação vantajosa”, destaca Victor Beyruti, economista da Guide Investimentos.

Não por acaso, ao comparar as variações acumuladas pelo IMA-B, índice que acompanha os títulos públicos indexados à inflação, com outros indicadores nos últimos dez anos, fica bem clara a diferença de rentabilidade entregue em cada classe de ativos ao longo do tempo.

Enquanto o IMA-B apresentou um retorno de 200% no período de dez anos (desde abril de 2014), o IRF-M, que acompanha os títulos prefixados e serve de parâmetro para o mercado de renda fixa como um todo, registrou valorização de 172%. Até o Ibovespa, índice de referência do mercado de ações, ficou atrás, com 148%.

Pré, pós ou atrelado à inflação?

Em geral, a melhor resposta, para todos os cenários, desde os mais otimistas até os mais pessimistas, é a diversificação. Os títulos pós-fixados, conhecidos como Tesouro Selic, ajudam a controlar a volatilidade da carteira e servem como reserva de emergência. Os prefixados, por sua vez, garantem previsibilidade de retorno. E os títulos indexados à inflação protegem o poder de compra do investidor.

Qualquer alocação, até mesmo em renda fixa, não é uma aposta de cavalo. Em outras palavras, a ideia não é escolher um único tipo de ativo e apostar que esse vai entregar o melhor retorno.

“Neste momento, e em todos os outros, o investidor deve ter prefixado, pós-fixado e inflação na carteira”, pontua Álvaro Frasson, economista do BTG Pactual.

Para o especialista, existe uma oportunidade hoje na aplicação em título prefixado de curto prazo. Em relação aos títulos atrelados à inflação, diz o economista, a melhor estratégia é distribuir um pouco do montante reservado para este investimento em Tesouro IPCA+ de curto, médio e longo prazos.

“Por que esse método é mais eficaz do que pegar um título de um prazo apenas? Porque, geralmente, quando as taxas de juros estão altas e, em paralelo, o mercado passa a enxergar uma melhora de cenário, os títulos com prazos mais curtos recuam, enquanto os mais longos tendem a cair menos”, explica Frasson.

A equipe de estratégia do BTG Pactual mantém uma visão otimista para os papéis atrelados à inflação, em razão dos elevados prêmios nas taxas de juros reais, que seguem distantes de qualquer nível “neutro” da economia em um ambiente de corte de juros.

Beyruti, da Guide, também vê oportunidade no Tesouro IPCA+ e no prefixado, mas com vencimento próximo, com prazo em torno de 2030. “A inflação implícita no título prefixado ainda está próxima de 5% ou 6%. Então, se a gente pegar a expectativa futura do IPCA, mais próxima de 3%, o rendimento contratado seria maior no título prefixado, enquanto o retorno do título atrelado à inflação ficaria abaixo de 10%”, explica.

Ainda assim, considerando o passado inflacionário do país, e olhando de uma forma mais cautelosa para o ambiente que tem sido desenhado pelo mercado, o Tesouro IPCA+ acaba protegendo o investidor em caso de surpresa altista com a inflação.

Uma opção para quem quer aproveitar as taxas seria investir uma parte pequena em título de longo prazo indexado à inflação, uma outra parte em IPCA+ de curto prazo, para aproveitar o juro real de 6%, e um outro pedaço em título prefixado com prazo intermediário para garantir o rendimento oferecido hoje”, sugere o especialista da Guide.

Ventania que veio de fora

O salto visto nas taxas dos títulos públicos no último mês foi resultado de uma conjuntura de fatores que foram se sobrepondo uns aos outros e provocou um ambiente de bastante estresse nos mercados de juros futuros, câmbio e de bolsa.

Foi o cenário externo que assumiu o protagonismo da alta volatilidade vista nas taxas dos títulos públicos. Dando nome aos bois, a turbulência veio primeiro dos Estados Unidos.

Basicamente, em abril, a inflação e o mercado de trabalho ainda resilientes nos EUA provocaram uma reversão nas expectativas de queda nos juros americanos neste ano. Foi posta à mesa, inclusive, a perspectiva de que as taxas poderiam nem cair em 2024.

Mas a desaceleração mais forte do que a esperada nos números de criação de vagas divulgados na última semana trouxe certo alívio. E o mercado voltou a acreditar em ao menos dois cortes nos juros dos EUA até o fim do ano, sendo o primeiro na reunião de setembro.

Outro ponto que contribuiu para um maior otimismo dos investidores e, consequentemente, para a queda nas taxas dos títulos públicos, foi o discurso do presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Jerome Powell, após decisão que manteve os juros inalterados. Ele praticamente anulou a possibilidade de juros voltarem a subir por lá.

De maneira geral, o ambiente de juros elevados nos EUA aumenta a atratividade dos títulos públicos americanos. Com a renda fixa americana pagando bem, os investidores acabam optando por retirar o capital alocado em ativos de países emergentes. Esse movimento, por sua vez, fortalece o desempenho do dólar frente ao real.

Por outro lado, a perspectiva de queda nos juros por lá tende a provocar uma retomada do apetite ao risco e, consequentemente, do fluxo de capital estrangeiro em bolsas emergentes. Esse cenário, supostamente desenhado pelo mercado após falas de Powell na última semana, derrubou as taxas embutidas nos títulos públicos brasileiros.

Para se ter uma ideia do impacto no mercado de juros nacional, o Tesouro IPCA+ com vencimento em 2035, que chegou a pagar inflação mais 6,29%, na última sexta-feira (3) oferecia uma taxa de 6,16%. Os retornos dos títulos mais longos, com prazo para 2045, por sua vez, desceram de 6,22% aos 6,11%.

Mesmo com a perda de tração recente, porém, os riscos de os juros permanecerem altos por mais tempo do que o esperado no mundo seguem pautando as mesas de operadores do mercado. Afinal, o Banco Central dos EUA continua dependente de dados para garantir que a inflação americana está de fato recuando em direção à meta de 2%.

Sem dúvidas, os números de vagas abaixo do esperado foram esperançosos. Mas é preciso mais do que isso para que os juros caiam nos EUA.

Situação parecida ocorre no Brasil, que desfruta de um mercado de trabalho forte e de um desemprego no menor patamar em dez anos. Acompanhando o aumento de contratações, os salários reais também crescem acima da produtividade.

Aos olhos do cidadão comum, esse é o país que todos gostariam de viver. Pela lupa do mercado, no entanto, sabe-se que mais renda tende a elevar o consumo das famílias, o que, por sua vez, gera inflação.

Somado ao ciclo natural da economia, acrescenta Frasson, do BTG Pactual, ainda tem o aumento do nível de transferência de renda pelo governo, aliado ao projeto que reduz o imposto de renda pessoa física para quem recebe até dois salários mínimos e ao programa Desenrola, que financia dívidas bancárias e não bancárias.

“Não só lá fora está muito difícil em termos de expectativa de inflação, como aqui os dados de emprego estão fortes e o mercado de crédito tem mostrado uma retomada. Como o Banco Central vai desacelerar o consumo das famílias cortando os juros?”, questiona o economista.

Cereja do bolo ou pão de ló?

E ainda tem a questão fiscal, que vem sendo interpretada mais como a cereja do bolo do que exatamente o pão de ló. O mercado talvez nunca tenha acreditado de fato nas metas definidas no arcabouço fiscal aprovado no ano passado.

No entanto, foi dado, na época, um voto de confiança ao governo, uma vez que, na medida, foi mostrado um esforço para perseguir os planos definidos para as contas públicas em 2024, 2025 e 2026.

Mas a credibilidade das metas fiscais caiu por terra nas últimas semanas, quando o próprio governo anunciou uma mudança para 2025. Antes, era previsto um superávit no próximo ano. Agora, foi reduzido para um déficit zero. Isso, crê o mercado, no melhor cenário.

“O governo admitiu que vai piorar as metas porque não vai fazer alteração importante dentro das despesas para que as metas ancoradas lá atrás sejam cumpridas. Basicamente, está jogando a toalha”, pontua Frasson.

Não dá para querer que o mercado continue com o mesmo otimismo de um ano atrás, sendo que o próprio governo está desistindo da ancoragem que estipulou de meta fiscal”, diz.

 — Foto: Getty Images
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