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Litigância climática: você sabe o que é? Se não, corre para entender… | Colunas de Sonia Consiglio


Nas minhas aulas, sempre pergunto às turmas: “Vocês sabem o que é ‘litigância climática’”? A maioria desconhece o termo. Se esse é o seu caso, apresento um dos temas mais em voga atualmente e que só tende a crescer: a estratégia de acionar o Poder Judiciário para obter responsabilização por fatos da agenda climática. Esses processos podem ser movidos por indivíduos, grupos, organizações, governos, enfim, qualquer ente que se sinta afetado por questões relacionadas ao clima. Há uma predominância de ações contra o poder público, mas a litigância climática também está aumentando no setor privado.

Segundo o último relatório anual Global trends in climate change litigation: 2023 snapshot, relativo ao período de maio 2022 a maio de 2023, foram registrados mais processos contra atores do setor privado, com uma gama mais complexa de argumentos jurídicos. Além disso, aumentaram os litígios não só em relação ao clima, mas a fatos da agenda ESG como um todo. Confira outros achados desse quinto relatório, que é produzido pela The London School of Economics and Political Science e pelo Grantham Research Institute on Climate Change and the Environment:

  • 2.341 casos foram capturados no período; 190 arquivados nos últimos 12 meses.
  • Mais de 50% têm resultados que podem ser entendidos como favoráveis.
  • Houve crescimento de casos relacionados a “greenwashing”, que questionam a veracidade de informações e compromissos assumidos.
  • Litígios relativos a decisões de investimento estão aumentando e podem ajudar a clarificar parâmetros no contexto das alterações climáticas.
  • Atividades com elevadas emissões de gases de efeito estufa são mais suscetíveis de serem questionadas em diferentes pontos do seu ciclo de vida, desde o financiamento inicial até à aprovação final do projeto

Este relatório se baseia no interessante banco de dados Climate Change Litigation, que mapeia os processos no mundo por tipo: crimes ambientais, emissões de gases de efeito estufa, transição justa, direitos humanos, entre outros. O site é uma iniciativa da Columbia Climate School e Sabin Center for Climate Change Law. Mas não precisamos ir tão longe para entender o que se passa no nosso país, pois o JUMA – direito, ambiente e justiça no antropoceno, grupo de pesquisa vinculado à PUC Rio, mantém a “Plataforma da Litigância Climática no Brasil”, que reúne informações dos tribunais brasileiros. Atualmente, há 80 casos publicados na plataforma.

Todos os processos são procedentes? Claro que não. Pode haver excessos, falta de informação, viés de oportunidade. A justiça é que decidirá. Mas, se sua organização for alvo de uma ação desse tipo, mesmo que vocês tenham razão, o estrago em imagem e reputação já estará feito se o fato vier a público. E, dependendo dos atores envolvidos, certamente virá. Toda a atenção, portanto, é pouca. Nessa linha, gosto muito do conselho dado às empresas por Bianca Antacli, sócia da área ambiental do TozziniFreire Advogados, em uma matéria no Valor Econômico de 30/11/2022: “Melhor fazer pouco, mas com consistência e com provas do que está sendo feito. Não se trata de dizer ‘não’ para metas mais ambiciosas, mas ter aquelas que se pode cumprir”. Assino embaixo.

Casos peculiares de litigância climática ganham as páginas da imprensa. O mais recente é o da associação suíça KlimaSeniorinnen, algo como “Idosas pelo Clima”, formada por mais de 2.500 mulheres com 64 anos ou mais. Elas denunciaram ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que as deficiências da Suíça na proteção climática “prejudicam gravemente o seu estado de saúde”. Em decisão histórica, o Tribunal deliberou que a Suíça violou o artigo 8 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (Direito à Vida Privada e Familiar), criando jurisprudência. Ou seja, questões climáticas mal gerenciadas podem violar os direitos humanos. Simples e definitivo assim.

Outro movimento emblemático é o de um grupo de jovens alemães que, em 2019, entrou na justiça questionando a Lei de Proteção Climática do país sob o argumento de que ela “não oferecia condições para garantir o bem-estar das gerações mais novas e daquelas que vão nascer”. A Corte acolheu o pedido e a Alemanha teve que tornar suas metas climáticas mais ambiciosas.

Agora, vejam como o mercado é rápido. A Aristata, gestora britânica de recursos, lançou em 2022 o inédito produto “Impact Litigation Fund”, fundo cujos recursos são usados para financiar ações judiciais relacionadas ao clima de pessoas ou comunidades afetadas que não têm condições de custear os processos. A captação foi concluída em julho de 2023, com nada menos do que 52 milhões de libras. Pois é… quem ainda não ouviu falar sobre Litigância Climática precisa ou não correr para entender?

Sonia Consiglio é SDG Pioneer pelo Pacto Global da ONU e especialista em Sustentabilidade.

Sonia Consiglio — Foto: Arte/Valor
Sonia Consiglio — Foto: Arte/Valor



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