Carreira

O “jogo” da migração de assessores entre escritórios


Recentemente, participando do B2B Experience, evento organizado pela XP Investimentos, ouvi que a taxa de migração de assessores entre escritórios é de cerca de 0,5% ao mês e que, junto com ela, vêm alguns problemas que poderiam ser evitados caso a taxa de fidelidade fosse maior.

Não sei por qual motivo, mas ter conhecimento disso me remeteu à infância e aos jogos de cartas, que para alguns são tratados como jogos de azar, mas no meu caso, sempre os classifiquei na categoria de entretenimento de salão.

A correlação dos jogos com a assessoria veio por conta das diversas formas como esse processo pode ser conduzido, tanto pelo escritório quanto pelo assessor.

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Caçula de uma família com 5 filhos, cresci num ambiente onde os finais de semana à noite, por vezes, eram restritos aos adultos, que se reuniam na casa dos meus pais para jogar, beber, comer e se divertir, sempre ao som da boa música, que naquela época vivia seu melhor momento, com os sucessos meteóricos dos Beatles e da bossa nova, que enchiam nossos ouvidos com letras e melodias que se eternizaram.

Não serei puritano e, logicamente, entre uma rodada ou outra de “poker” e “pif-paf”, alguns trocados eram apostados, mais com o intuito de estimular a competição do que pelo valor das apostas propriamente ditas, que na maioria das vezes eram simbólicas.

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Nós, os filhos, todos menores de idade na época, éramos proibidos de permanecer nesses dias nos salões da casa e, após um “boa noite” geral, que éramos obrigados a dar aos convidados, ficávamos no andar de cima da casa, curiosos para espiar pelas frestas toda aquela movimentação. O “jogo” da migração de assessores entre escritórios

Não tardou para que fôssemos introduzidos aos jogos. Inicialmente aos inofensivos jogos de memória e de mímica, mas logo aprendemos a manusear as cartas, que tanto nos atraíam, sem dúvida alguma pela influência dos adultos.

Nossas preferências eram pelo “mau-mau”, onde o objetivo era se livrar de todas as cartas da mão, e pelo “rouba-monte”, cujo objetivo era acumular o maior número de cartas no monte, podendo “roubar” o monte dos outros jogadores caso você tivesse uma carta igual à carta de cima do monte deles.

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Obviamente, que no nosso caso, tudo não passava de pura diversão e competir por dinheiro nunca passou pelas nossas cabeças, que só estavam centradas em conquistar a vitória

Diferentemente das migrações de assessores, que inevitavelmente possuem uma vinculação com o dinheiro, seja direta ou indiretamente, além dos outros impactos que elas ocasionam.

Na busca por um título para este artigo, procurei na internet referências ao jogo de cartas “rouba-monte” e fiquei surpreso ao verificar o quanto ele é utilizado pela mídia especializada em finanças para retratar o mercado financeiro brasileiro.

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Inferi que o baixo crescimento da poupança interna é uma das principais razões para a referência ao jogo da infância, nem sempre simpática, mas que reflete a dinâmica dos nossos mercados, além de ser um dos fatores relevantes para estimular a concorrência hostil e menos criativa.

São diversos os motivos que levam um profissional a buscar novas oportunidades de trabalho e, longe de mim querer julgar a pertinência ou não desses movimentos, que são legítimos, assim como entendo ser legítimo uma empresa querer buscar na concorrência um profissional de destaque.

A Robert Half, consultoria de recrutamento, relatou que, em comparação ao período pré-pandemia, houve um aumento no turnover de 56% no Brasil, à frente do mundo todo e acompanhado por países como França (51%), Bélgica (45%) e Reino Unido (43%).

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O mesmo relatório mostrou que o percentual de saídas voluntárias por parte dos colaboradores aumentou de 33% para 48%, em comparação ao número de desligamentos feitos pela organização.

Procurar entender esses movimentos passa a ser um exercício fundamental para o planejamento estratégico da empresa e mesmo do profissional, que sempre acaba se desgastando com as frequentes mudanças.

  • Alguns deles podem ser:
  • ausência de uma cultura organizacional sólida;
  • excesso de trabalho para os sócios;
  • falta de alinhamentos e de expectativas;
  • falta de reconhecimento e plano de carreira – partnership;
  • remunerações abaixo dos valores de mercado;
  • ausência de feedback dos líderes;
  • um ambiente de trabalho negativo.

No Brasil, segundo dados do Registro Civil, houve um divórcio para cada 2,3 casamentos em 2022, comparados com 2010, quando esse número era de 1 para cada 4 casamentos. Aumentou também o número de divórcios ocorridos com menos de 10 anos de relacionamento.

Mas o que isso tem a ver com o artigo sobre a migração dos assessores? Apenas a constatação de que nem o casamento, que se pressupõe ser baseado em livre arbítrio e desejo pela eternidade, dura, quiçá uma sociedade em que as pessoas pouco se conhecem e os objetivos de médio e longo prazos não são necessariamente convergentes.

Reparem que, em ambos os casos, a relação de longo prazo, de confiança e de interesse financeiro estão presentes, mas não são suficientes para manter uma relação duradoura.

O que se espera em caso de separação, principalmente quando há filhos dependentes, é que esse processo seja o menos traumático possível e que se chegue a um acordo razoável para todos, mesmo que uma das partes se sinta prejudicada.

Da mesma forma, o que se espera no fim de uma relação de trabalho, independentemente das razões da ruptura, é um final com “portas abertas” e não um processo judicial desgastante que contamine o ambiente, afetando a relação com clientes e parceiros.

Venho acompanhando o mercado de assessoria de investimentos há algumas décadas, mas de maneira mais presente nos últimos 10 anos.

Posso estar enganado, mas tenho a sensação de que nem o profissional de investimentos mais otimista do passado poderia imaginar que essa atividade iria ganhar o peso e a importância que ganhou, ao ponto de gerar uma disputa de mercado pelos escritórios e dos escritórios pelos assessores mais produtivos.

Esse ponto de vista se fortalece quando me deparo com o número crescente de “influencers“, certificados ou não, tentando desqualificar a categoria e o aumento de pessoas debatendo os modelos de remuneração e o conflito de interesses, muitas vezes generalizando e confundindo conduta e ética profissional.

Lembro que, quando fui convidado para atuar na ABAI – Associação Brasileira dos Assessores de Investimentos, no final de 2018, éramos aproximadamente 6.000 profissionais registrados na CVM e a taxa de crescimento anual já chamava a atenção do mercado, com seus sólidos 2 dígitos, sinalizando a tendência que veio a se concretizar nos anos seguintes, atingindo mais de 25.000 assessores em 2024.

Em recente artigo publicado pela Infomoney, destaco a importância do aprimoramento dos processos de atração e expansão como forma de estancar o também crescente número de cancelamentos de registros verificados.

Além de explorar a importância dos 3 K’s na escolha do profissional adequado, não podemos deixar para segundo plano a análise do “fit” cultural, pois este pode ser fundamental para o sucesso ou não do interessado.

Crescer através do “rouba-monte” pode ser uma estratégia de mão dupla, e amanhã o vencedor será o vencido, numa conta de zero a zero, com batalhas infindáveis.

Antes de investir na atração de um profissional, procure saber quem ele é, qual a experiência prévia dele, por que está mudando de escritório, e converse com os sócios do escritório de onde ele está saindo para saber se ocorreu algum fato que ele omitiu.

Se o profissional está em transição de carreira, sugira que ele faça os cursos da ABAI antes de apostar na certificação ANCORD. Mais de 58.000 pessoas já se inscreveram nele.

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Estima-se que o mercado tenha algo próximo a R$ 5,5 trilhões de investimentos de pessoas físicas a ser explorado, podendo chegar a R$ 11 trilhões em 2028, com mais de 25 milhões de potenciais novos clientes, ainda com concentração no “top” 5 instituições financeiras e quase 30 mil profissionais de investimentos trabalhando em bancos.

Esses números, por si só, já me estimulariam a deixar de lado o “rouba-monte” e partir para o jogo de “tranca”, sendo cirúrgico na utilização dos 3 “preto” (paus ou espadas) para estancar qualquer tentativa do adversário em comprar a mesa.

Mas entendo o apetite de alguns “players” pelo jogo de “truco”, na expectativa de estar com a manilha maior ou, quem sabe, até o “zap” na mão. Só não se esqueçam que a arte do truco se dá pelos blefes e muitos ganham partidas sem ter cartas fortes na mão. Em outras palavras, cuidado com o assessor do vizinho, que nem sempre conseguirá converter a carteira de clientes que diz ter. O “jogo” da migração de assessores entre escritórios

Disclaimer: As opiniões contidas neste artigo não refletem necessariamente as opiniões da ABAI, sendo de responsabilidade exclusiva do autor.



Infomoney

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